Política

"Eles querem apagar a nossa história e a nossa memória": artistas protestam contra calote de JHC na cultura

Prefeitura de Maceió gastou mais de R$ 1 milhão reais, somando despesas com eventos gospel/católico e o São João, em 2023; artistas de vários segmentos culturais seguem sem receber cachê de eventos que trabalharam para o município

Por Shelton Melo* 22/02/2024 10h10 - Atualizado em 22/02/2024 12h12
'Eles querem apagar a nossa história e a nossa memória': artistas protestam contra calote de JHC na cultura
Artistas apresentaram à Semce Termo de Compromisso exigindo a regularização dos pagamentos de serviços prestados pelos artistas ao município. - Foto: Foto: Paulo Bugarin

Quatro horas esperando e uma mensagem via WhatsApp. Foi assim que o secretário Municipal de Cultura e Economia Criativa de Maceió (Semce), Dr. Cleber Costa, agiu diante da reinvindicação do setor artístico alagoano durante protesto realizado nesta quarta-feira (21), no Centro de Maceió.

Indignados com a contínua falta de transparência devido ao não pagamento de cachês de eventos patrocinados pela prefeitura municipal, artistas de vários movimentos, como a junta governamental do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculo de Diversões de Alagoas (Sated/AL), denunciaram o calote e o descaso da gestão do prefeito JHC (PL).

Protesto do setor artístico na Semce ocorreu de forma pacífica e com bastante música cultural. Foto: Paulo Bugarin
Protesto do setor artístico na Semce ocorreu de forma pacífica e com bastante música cultural. Foto: Paulo Bugarin


O Jornal de Alagoas acompanhou, com exclusividade a manifestação simbólica, que protestou com bastante música cultural, pacificamente, na sede da Semce. Desde de junho de 2023, segundo os artistas, profissionais de diversos segmentos culturais tradicionais de Alagoas seguem sem receber dinheiro de eventos em que trabalharam para o município.

Letícia Sant'Ana, integrante do grupo Afro Caeté, foi uma das artistas lesadas que trabalhou em dois eventos - Vamos Subir a Serra, em novembro, e Festas Das Águas, em dezembro, ambas em 2023; mas até agora não viu a cor do dinheiro. "Para além dos cachês, a gente também está aqui para que a prefeitura tenha mais respeito [com a nossa classe]".

Contabilizando, mais de mil reais deveram ter sido depositados na conta da artista pela Semce. Letícia também demonstrou preocupação em relação a ausência do calendário de eventos voltada à valorização da cultura afro alagoana em 2023.

"Muitos [eventos] que estavam no calendário da prefeitura de Maceió, com datas que o segmento afro celebrava, que tinham suas atividades, não aconteceram", nem no ano passado e nenhum até o momento. "A gente não teve nenhum diálogo", complementou.

"O que vem acontecendo com a cultura na cidade de Maceió e em Alagoas é um total desrespeito, uma verdadeira canalhice. A gente recebe contrato, recebe convite, muitas vezes, em cima da hora; e isso não é de hoje. Eles querem apagar a nossa história e a nossa memória, só que isso é impossível", afirmou Allexandrea Constantino, que está há dois meses sem receber pagamento, referente à sua participação na Primeira Virada Afro Alagoana. O evento foi realizado no final de dezembro do ano passado.

Constantino também questionou outro problema na pasta de cultura do município: a constante prorrogação de editais. "A gente [classe artística] sempre busca propor ideias, trazer propostas para a secretaria, mas esse diálogo acaba totalmente invisibilidade, porque em uma dia, a gente senta, conversa e, no outro dia, as coisas não são respeitadas", disse.

O artista audiovisual também questionou por que nem todos os artistas são pagos quando participam de atividades, como aconteceu durante a programação cultural do São João de Maceió de 2023. "Existe um núcleo de cadastro para as pessoas participarem. Eles têm todos as nossas informações. A gente está aqui reivindicando o básico", reiterou.

"Semce, acorda, que a comunidade alagoana, a comunidade maceioense, precisa dos recursos para movimentar a cultura", advertiu fotógrafa. Foto: Paulo Bugarin


A fotógrafa alagoana Cristal Luz também criticou a pasta da cultura da gestão de JHC. No ramo da fotografia há sete anos, ela alegou a "maneira infantil e irresponsável" com a qual a Semce tem atrasado "o processo de inscrições" dos artistas, e bem com atrasado os recursos na Lei Paulo Gustavo (nº 195, de 08 de julho de 2022) para os fazedores de cultura.

"A gente tem vindo de muitas prorrogações e sumiços. Chega na data do calendário, ele não acontece; a gente não recebe respostas; não tem data de pagamento. Realmente uma situação de tremenda indignação. Semce, acorda, que a comunidade alagoana, a comunidade maceioense, precisa dos recursos para movimentar a cultura. Não é só sobre o dinheiro, é sobre o movimento cultural que existe e resiste em Maceió", contestou.

Ainda segundo ela, no ano passado, a Semce abriu as inscrições para artistas inscreverem projetos, por e-mail. "Fizemos reinvindicações; foram fechadas essas inscrições e abertas outras em uma plataforma, já esse ano; depois colocaram um cronograma falso, dizendo que ia sair o resultado no dia 12, no período de carnaval, e não saiu nada", revelou.

Secretário não "deu as caras"


Em relação à manifestação, por enquanto, nada aconteceu. Isso porque, depois de ter afirmado que estaria na Semce por volta das 15h30, segundo funcionário da secretaria, o secretário Cleber Costa simplesmente avisou, posteriormente, via rede social, que não poderia ir, porque estava trabalhando, realizando uma cirurgia. Ele também é cardiologista.

Dudu Nogueira, presidente da junta governamental da Sated/AL, associação que ainda está em processo de regulamentação, disse que reina na pasta da cultura de Maceió uma "política de balcão", na qual, é realizada "uma escolha aleatória de artistas da casa 'credenciados' ".

"Quando colocam a nossa classe 'de encaixe', nos eventos, não recebemos. A gente pode estimar mais de 70, 80, 90 pessoas" lesadas. "São grupos tradicionais de Alagoas, que elevam a cultura alagoana, e que não são valorizados. O mínimo que nós queremos receber, pagar suas contas, não tem. É um absurdo!", desabafou o presidente.

Recentemente, conforme divulgado pelo Jornal de Alagoas, Dudu Nogueira criticou a gestão cultural de Maceió durante audiência pública, na Câmara Municipal dos Deputados, no bairro Jaraguá. A audiência foi realizada na última segunda-feira (19).

Termo de compromisso


Além do protesto pacífico, os artistas também apresentaram à Semce um Termo de Compromisso exigindo a regularização dos pagamentos relativos aos serviços prestados pelos artistas ao município. O documento foi redigido com ajuda da representante da Comissão de Cultura da Ordem dos Advogados de Alagoas (OAB), Flamilinha Silva.

Assinaram o documento representantes do Coletivo AfroCaeté, Instituto Negro de Alagoas, Ordem dos Músicos do Brasil, Sindicatos dos Artistas e Técnicos em Espetáculos em Alagoas (Sated/AL), Liga Agro Alagoana e Fórum de Teatro de Maceió.



A classe artística presente no protesto conseguiu protocolar o termo de compromisso só depois que a presidente da Comissão de Cultura da OAB de Alagoas, Flamilinha Silva, compareceu na Semce, depois de horas de espera, por volta das 16h30. Antes disso, representantes do setor artístico também questionaram um funcionário da Semce depois que ele pediu para que parte do texto documento fosse alterado para que fosse possível, através do secretário, protocolá-lo.

A alteração - na palavra 'nós' para 'por este instrumento' no primeiro parágrafo do documento, foi feita, mas o termo de compromisso, até o agora, não foi aprovado. "O servidor pediu a alteração na palavra 'nós', tiramos, alteramos o documento, mas não há servidor para protocolar; a alegação é gramatical, mas no fundo a gente sabe que é uma alegação para atrapalhar o movimento. O que queremos saber mesmo quando é que vai sair o dinheiro dos artistas, que estão sem receber", questionou.

Processo no Ministério Público

Salete Bernardo, presidente do Conselho Estadual de Promoção a Igualdade Racial (Coonepir) e coordenadora do Fórum Afro de Maceió, também conversou com a reportagem. Ela revelou que os artistas entraram com processo no Ministério Público de Alagoas (MPAL) para garantir "equidade nas festas do calendário afro" da classe.

Ela questionou a quantidade de festas gospel em Maceió e, por outro lado, a falta de atividades do calendário afro alagoano. " Não tem dinheiro!' Mas tem dinheiro pra festa gospel, tem dinheiro pro São João. Cadê o prefeito nesse sentido? Maceió Sem Racismo? É só balela ".


O Jornal de Alagoas teve acesso ao processo encaminhado ao MPAL. A Defensoria Pública da União do estado encaminhou o processo à Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC), pedindo esclarecimentos sobre despesas da prefeitura de Maceió com eventos no segmento gospel/católico e o São João de 2023. O valor é exorbitante: R$ 1.266.500 (um milhão, duzentos e sessenta e seis mil e quinhentos reais).

No documento, a FMAC também informa que "em quinze dias publicará no Diário Oficial do Município a atualização do calendário de atividades de 2024", para constar nos eventos da Lei 6.968/2020 (Consciência Negra, Festas das Águas, Xangô e Rezado Alto).

Ninguém na sede da Semce na quarta-feira (21) conversou com a reportagem sobre quando a secretaria vai atender a demanda dos artistas. A reportagem está aberta para atualização.

*Estagiário sob supervisão