Política

Empresa de pai de vereador e aliado de Lira vendeu kit robótica 420% mais caro

Empresa que obteve verbas do governo Bolsonaro pagou R$ 2.700 por produto vendido posteriormente por R$ 14 mil

Por Redação com Folhapress 13/04/2022 09h09 - Atualizado em 13/04/2022 09h09
Empresa de pai de vereador e aliado de Lira vendeu kit robótica 420% mais caro
Arthur Lira (PP-AL), e aliados, o vereador João Catunda e o pai, Edmundo Catunda, dono da empresa Megalic - Foto: Reprodução

A empresa do pai do vereador de Maceió, João Catunda (PP/AL) — aliado político e amigo de Arthur Lira (PP/AL) vendeu kits de robótica 420% mais caros para municípios alagoanos, do que declarou ter pago. Os recursos foram liberados por meio de emendas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

O valor é superior ao valor que a empresa declarou ter pago em ao menos uma das compras que fez do produto. Enquanto municípios desembolsaram R$ 14 mil por cada robô educacional, nota fiscal obtida pela Folha mostra que a Megalic adquiriu unidades por R$ 2.700 de um fornecedor do interior de São Paulo.

Os donos da empresa alagoana são Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (de saída do PSD), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O deputado é responsável por controlar em Brasília a distribuição de parte das bilionárias emendas de relator do Orçamento, fonte dos recursos dos kits de robótica.

A Folha revelou que sete cidades alagoanas receberam neste ano R$ 26 milhões de dinheiro federal para robótica, apesar de sofrerem com uma série de deficiências de infraestrutura básica, incluindo falta de computadores, internet e água encanada. Ao somar outros dois municípios pernambucanos que também contrataram a Megalic, o valor chega a R$ 31 milhões.

Esse montante representa 79% do total gasto autorizado pelo governo Jair Bolsonaro para todo o país em 2021 na rubrica para compra de equipamentos e mobiliário, na qual se inclui o gasto com kits de robótica. Os recursos, liberados em velocidade incomum, são gerenciados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC (Ministério da Educação) dominado pelo centrão.

A empresa garantiu contratos com prefeituras a partir de diferentes processos de licitação cujos teores são praticamente iguais, com minúcias que praticamente reproduzem a composição dos robôs fornecidos pela Megalic.

Os R$ 14 mil de cada kit representam valor muito superior ao praticado no mercado, inclusive de produtos de ponta de nível internacional. Apesar de fechar contratos milionários, a empresa é intermediária e não produz kits de robótica.

A Folha teve acesso a uma nota fiscal emitida em 28 de setembro de 2021 em que a Megalic compra 370 kits, com custo unitário de R$ 2.700, da empresa Pete, de São Carlos. O valor total dessa compra foi de R$ 999 mil.

Informações obtidas pela reportagem mostram que a Megalic já faturou em 2022 o total de R$ 54 milhões a partir de depósitos de prefeituras para kits de robótica, enquanto só gastou R$ 6,7 milhões. Em 2021, essa diferença foi entre R$ 15 milhões em recebimentos e R$ 2,7 milhões em gastos.

Esse volume recebido em 2022 pela Megalic refere-se a pagamentos feitos pelas prefeituras de União dos Palmares, Canapi, Barra de Santo Antonio, Santana do Mundaú, Branquinha, Maravilha, Flexeiras, Bom Jardim e Carnaubeira da Penha. Os dois últimos são de Pernambuco e os outros, de Alagoas, e todos receberam pagamentos do FNDE neste ano.

Além destes, também pagaram à Megalic neste ano os municípios de João, Santo Antão, Serra Talhada (de Pernambuco), Ouro Branco (AL) e Dourados (MS). Essas prefeituras não receberam dinheiro federal para este fim.

O maior valor recebido pela empresa para kits de robótica neste ano veio de Dourados, no total de R$ 17 milhões. A prefeitura é gerida por Alan Guedes, que é do PP, mesmo partido de Lira.

Dourados aderiu a uma ata de registro do município de Delmiro Gouveia (AL), que colocou a Megalic como fornecedora. Em nota, a prefeitura afirmou que planejou a aquisição de robótica para seus alunos para alcançar a exigência constitucional de alocar 25% das receitas em educação.

"A adesão da ata da ocasião se deu porque as especificações técnicas e pedagógicas do documento atendiam fielmente o que estava proposto no planejamento da Prefeitura de Dourados, bem como baseado nas indicações técnicas do FNDE. Nota-se que o próprio fundo nacional não possuía ata vigente na ocasião", diz nota.

O Ministério Público em Dourados já tem uma investigação sobre o caso, mas não se manifestou, além das outras prefeituras citadas.

A Megalic venceu ao menos cinco licitações ou atas de registros de preços em Alagoas. Todos com a previsão de fornecimento de material didático e cursos de capacitação para professores que incham os valores dos contratos.

Das sete cidades do estado beneficiadas, duas aderiram a uma ata realizada pelo consórcio Conagreste, presidido por Marlan Ferreira, prefeito de Limoeiro de Anadia (AL) e aliado de Lira. Os outros aderiram à ata realizada por Canapi, também da base do parlamentar.

As condições detalhadas nos editais dos municípios alagoanos destoam das especificações exigidas em certames de outros municípios, como Florianópolis. A cidade catarinense abriu um processo licitatório em dezembro passado para a compra de kits de robótica.

O edital descreve os requisitos técnicos de maneira mais genérica, estabelecendo que os kits "deverão ter motores de diferentes tamanhos, sensores diversos, como sensor de distância e sensor de força, além de bateria recarregável".

O FNDE é controlado pelo centrão —o presidente do fundo, Marcelo Lopes da Ponte, era chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil. A secretária de Educação de Flexeiras (AL) confirmou à Folha que Lira colaborou para acelerar as transferências de recursos do MEC.