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‘Adultização’: saiba quais são os impactos do fenômeno nas redes sociais e na vida de crianças e adolescentes
Assunto voltou a ser discutido após publicação recente do vídeo do influenciador Felca denunciando caso de exploração infantil na internet

O vídeo recente do influenciador Felca, que denuncia casos de exploração infantil na internet, gerou grande discussão e mobilização, chegando a pautar figuras políticas e propostas de leis sobre o tema. O fenômeno, cada vez mais presente nas redes sociais, levanta questionamentos sobre seus impactos no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Para entender melhor o conceito e suas consequências, o Jornal de Alagoas entrevistou a psicóloga Suamy Malta, que explica o termo e a problemática que ele traz para a vida das crianças. Segundo ela, um dos fatores que impulsionam esse processo é o efeito de recompensa oferecido pelas redes sociais. “Curtidas e comentários moldam a vivência de crianças e adolescentes no ambiente digital”, afirma.
Suamy destaca que, quando um conteúdo não viraliza, muitas crianças experimentam uma sensação de incompetência. Esse sentimento leva à produção excessiva de postagens, criando um ciclo sem fim. “Essa lógica pode gerar pressão para que crianças busquem performar comportamentos adultos apenas para se sentirem aceitas”, pontua.
A psicóloga ressalta, no entanto, que a adultização vai além do ambiente digital. Ela define o termo como a exposição precoce de crianças e adolescentes a comportamentos, responsabilidades e expectativas que deveriam ser reservadas apenas aos adultos, considerando que esses indivíduos ainda não alcançaram a maturidade emocional necessária para lidar com tais situações.

Psicóloga Suamy Malta. Foto: arquivo pessoal
Papéis diferentes
Esse processo pode se manifestar em diferentes aspectos da vida cotidiana: assumir papéis que não condizem com a idade, como cuidar de irmãos mais novos ou outros familiares, ajudar financeiramente a família, lidar com questões burocráticas, como o pagamento de dívidas, ou ainda enfrentar cobranças excessivas relacionadas à escola e a atividades extracurriculares.
Com o avanço das redes sociais, esse quadro se agravou e se intensificou, já que crianças e adolescentes passaram a ter acesso irrestrito a conteúdos voltados para adultos.
Para Suamy, essa exposição acelera um processo que interfere diretamente na construção da identidade infantil.
“O tempo que deveria ser de brincar livre, de lazer, que estimula a criatividade, o equilíbrio emocional e o aprendizado, acaba sendo utilizado para consumir conteúdos em telas ou, em alguns casos, para produzi-los”, explica.
Ela acrescenta que esse ciclo, quando não interrompido, pode afetar a autoestima e a percepção de valor próprio. “Já começamos a observar adultos apresentando esse comportamento, pois eles já vêm de uma fase digital”, pontua a psicóloga.
Muitas famílias enxergam o aceleramento de uma criança como sinal de maturidade. No entanto, Malta alerta que ocorre exatamente o contrário, pois, na infância, esses indivíduos não estão preparados para lidar com emoções e tarefas que não são próprias da idade.
“A criança que passa por esse processo pode desenvolver problemas emocionais e psicológicos como ansiedade, depressão, dificuldade de socializar, falta de empatia, problemas no processo de aprendizagem e dificuldade de atenção”, explica a psicóloga.
Sexualização de crianças
O problema se agrava quando envolve questões relacionadas à sexualização. Pesquisas já apontam prejuízos ligados à autoimagem, à autoestima e ao risco de uma sexualização excessiva, cenário alimentado por conteúdos eróticos e comentários sobre o corpo nas redes sociais.
A adultização não afeta apenas o início da vida. Esses prejuízos acompanham a pessoa ao longo do tempo e se intensificam na fase adulta, principalmente nas relações interpessoais. “Eles podem se tornar adultos inseguros, sem confiança, com dependência emocional ou até isolamento social, sem conseguir regular as próprias emoções”, acrescenta.
A psicóloga destaca que a adultização infantil envolve diversas ações que vão além do que costuma ser discutido nos meios de comunicação. Segundo ela, as meninas acabam sendo as mais afetadas, principalmente por fatores relacionados à moda. Isso inclui a escolha de vestimentas e de acessórios adultos para crianças, além do uso de maquiagem que, de acordo com a especialista, é comprovadamente prejudicial, pois pode interferir na produção de hormônios e até antecipar a menstruação.
Contudo, ela reforça que há outros fatores que afetam ambos os sexos, como o consumo excessivo e a reprodução de falas e gestos de teor erótico.
Para a psicóloga, esses comportamentos representam formas claras de adultização, que comprometem a infância. “Ao garantir que meninos e meninas possam crescer em um ambiente mais adequado, sem pressões indevidas, a sociedade forma adulto mais confiantes, resilientes e preparados”, conclui.
*estagiário sob supervisão
