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O preço da vaidade: alagoanos relatam prós e contras da Semaglutida para emagrecimento; médicos alertam
O crescimento vertiginoso das vendas acompanha uma explosão de menções aos medicamentos nas redes sociais, com vídeos no TikTok e Instagram promovendo o "milagre da semaglutida" para emagrecimento rápido

A promessa de perda de peso rápida, aliada à popularização em redes sociais e ao endosso indireto de celebridades, vem transformando medicamentos como Ozempic e Mounjaro, originalmente desenvolvidos para tratar diabetes tipo 2, em ferramentas comuns para fins estéticos.
Mesmo entre pessoas ativas, com rotinas esportivas intensas, como o CrossFit, cresce o número de usuários que recorrem a essas substâncias, muitas vezes sem necessidade clínica, supervisão adequada ou entendimento dos riscos.
“O motivo que me levou a usar Wegovy (semaglutida) foi o grande aumento de peso, em decorrência do uso do medicamento psiquiátrico que possuía como alguns dos efeitos colaterais: alterações metabólicas, hipotireoidismo, aumento de apetite, retenção de líquidos e redução de prática de atividades físicas, gerando um sobrepeso de 25kg”, conta um alagoano, praticante regular de CrossFit que preferiu não se identificar. Ele fez uso da medicação por 6 semanas e chegou a perder 12 kg. “Por recomendações do médico e, posteriormente, com aval do psiquiatra, busquei consulta com a endocrinologista”, conta.
Após exames laboratoriais que confirmaram as alterações metabólicas e na tireoide, ele recebeu a prescrição da semaglutida. A endocrinologista orientou a manutenção da prática esportiva e sugeriu consulta nutricional, embora sem aprofundamento. “As principais mudanças são, de fato, a ausência de apetite e a sensação de saciedade que não permite que se coma muito em cada refeição. Também são rápidos os efeitos sobre o corpo, que trazem a esperada melhoria estética, melhorando a autoestima e a sociabilidade. É reconfortante e recompensador sentir que a medicação faz tanto efeito mesmo em tão pouco tempo de uso. Porém, tudo isso vem a duras penas, pois são constantes os efeitos colaterais”.
Entre os mais severos, ele destaca: “Principalmente os enjoos e as náuseas. Em relação a isso, a médica também prescreveu remédios para enjoos, que funcionam ao menos temporariamente. Outro efeito que também senti bastante – que eu acho que é pouco falado – foi uma sensação de muita fraqueza e lentificação, provavelmente em decorrência da ausência de alimentação suficiente ou adequada”.
Outro praticante de CrossFit, que também preferiu não ser identificado, relata que procurou o remédio com foco exclusivamente estético: “Perda de peso, então procurei um endocrinologista e fiz o uso do Wegovy”. Ela já tinha rotina diária de atividade física, mas não recebeu orientação nutricional. “Fiz alguns exames pra verificar como estavam as taxas e o médico me passou apenas como eu deveria tomar o remédio”.
Os efeitos colaterais também foram significativos. “Sentia muito enjoo, perda de apetite e indisposição. Durante os exercícios também ficava um pouco enjoada”. Apesar da prática de exercícios permanecer, ela relata queda de desempenho: “Como não tinha muita força, então não levantava tanto peso, e consequentemente fiquei um pouco mais lenta”.
Medicalização da estética
Esse comportamento não é isolado. Segundo dados da consultoria IQVIA Brasil, o número de caixas de semaglutida vendidas no país mais do que triplicou entre 2021 e 2023, passando de pouco mais de 1 milhão para mais de 3,5 milhões de unidades por ano. O crescimento vertiginoso das vendas acompanha uma explosão de menções aos medicamentos nas redes sociais, com vídeos no TikTok e Instagram promovendo o “milagre da semaglutida” para emagrecimento rápido — frequentemente sem qualquer menção à orientação médica.
O cenário chamou atenção da Anvisa, que emitiu alertas públicos sobre o uso off-label de medicamentos como Ozempic e Wegovy, principalmente após o aumento de falsificações e vendas clandestinas sem prescrição. “A venda sem receita e o uso recreativo dessas medicações são infrações sanitárias graves, que colocam em risco a saúde pública”, destacou o órgão em nota publicada em 2023.
Riscos ignorados
O endocrinologista Lucas Mendonça de Almeida, especialista em Endocrinologia e Metabologia, afirma que, apesar de os medicamentos serem seguros dentro das indicações clínicas, o uso fora desses critérios representa riscos reais. “As duas principais indicações para emagrecimento são em casos de obesidade (IMC > 30) ou sobrepeso (IMC > 27) associado à alguma comorbidade relacionada ao excesso de peso”.
Segundo ele, a perda rápida de peso sem ajustes adequados na alimentação e no treinamento pode causar perda de massa magra. “Com certeza a perda de massa magra que eventualmente ocorre durante o uso dessas medicações é um ponto negativo, mas que pode ser evitado ou minimizado tendo uma ingesta proteica adequada (em média 2g/kg/dia) associado à uma intensificação dos treinamentos de força como a musculação”.
Lucas afirma ainda ter atendido pacientes internados por desidratação grave provocada por vômitos em uso não supervisionado, com aplicações diárias da droga — quando a dose correta é semanal. “Apesar de efeitos colaterais graves serem raros, eu já atendi mais de um paciente que teve que ser internado devido à desidratação causada por vômitos ou diarreia em excesso. Em todos os casos, o uso da medicação estava sendo sem acompanhamento médico, com doses elevadas”.
O médico minimiza a questão dos lucros das grandes indústrias farmacêuticas e evita problematizar a questão do uso indiscriminado do medicamento e seus efeitos sociais. Ele prefere dizer que há benefícios para os usuários: “O lucro com certeza foi enorme. Mas não só da indústria farmacêutica, como também do paciente. Lógico que a vaidade humana impulsionou bastante as vendas, mas prefiro acreditar que o lucro seja principalmente devido à melhora significativa na saúde dos pacientes que fazem o uso”.
De fato, o lucro é bilionário. A Novo Nordisk, farmacêutica dinamarquesa responsável pelo Ozempic e Wegovy, registrou crescimento de 36% em vendas globais em 2023, segundo levantamento do Financial Times. Analistas já apontam que as receitas com medicamentos de GLP-1 estão mudando o eixo financeiro da indústria farmacêutica global.

Médicos ou influenciadores?
A médica Janaína Alencar observa que há pacientes buscando Ozempic mesmo com IMC normal. “Transformando as pessoas em reféns da aparência sarcopênica, o que está em alta agora, vemos mulheres muito magras cada vez mais tanto no dia a dia quanto em mídias”.
Ela reforça que muitos estão obtendo o medicamento sem receita, o que agrava a situação: “Hoje em dia estão conseguindo locais que fornecem sem receita médica, o que contribui mais ainda para a desinformação e riscos para o paciente.”
A médica também faz um apelo para que o uso das medicações seja compreendido dentro de um plano terapêutico global. “Antes de tudo precisamos entender que cada caso é um caso, que primeiramente o Ozempic é uma medicação criada para diabetes mellitus e não para emagrecimento, então isso, por si só, já prenuncia efeitos colaterais não desejados.”
Ela recomenda abordagem multidisciplinar e gradual. “Como médica, posso dizer que existem vários meios saudáveis para que haja a perda de peso, a exemplo de caminhadas, musculação e corrida. A reeducação alimentar é um fator extremamente importante para o processo também. Antes de requerer ajuda de qualquer medicação, prezo sempre pela tentativa de formas não medicamentosas para se atingir o seu objetivo.”

Epidemia silenciosa
No Brasil, cerca de 57% da população adulta está com excesso de peso, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2020). A obesidade é, de fato, uma epidemia silenciosa e grave. Mas quando medicamentos potentes são banalizados por vaidade e vendidos sem controle, a fronteira entre tratamento e vício se torna cada vez mais tênue.
“Apesar de ser um facilitador, o uso incorreto e sem indicação da medicação pode ter um custo alto, podendo levar à desnutrição e complicações gastrointestinais. E que fique claro: o emagrecimento saudável exige mudança no estilo de vida independente de usar ou não a medicação.”, conclui o endocrinologista Lucas.
