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Mães solteiras alagoanas relatam dificuldades e alegrias de criar os filhos sozinhas

Com mais de 11 milhões de mães solo, Brasil registra alto número de crianças que não levam sobrenome dos genitores

Por Ylailla Moraes* 14/05/2023 10h10 - Atualizado em 15/05/2023 10h10
Mães solteiras alagoanas relatam dificuldades e alegrias de criar os filhos sozinhas
Os três filhos Katyanne, Caio e Junior - Foto: Arquivo da família

No Brasil 11 milhões delas são mães solteiras, de acordo com a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos primeiros dois anos de pandemia, os números se agravaram e foram registradas 320 mil crianças sem os sobrenomes dos genitores, segundo os cartórios de registro civil.

A realidade alagoana acompanha a nacional e se torna ainda mais evidente entre as parcelas da população que tem menor renda.

Em entrevista exclusiva ao Jornal de Alagoas, mães alagoanas falaram sobre os sentimentos que permeiam a vida de uma mãe solteira, contando sobre suas dificuldades, medos e prazeres que envolveram o processo de gravidez e a criação dos filhos sem a presença dos pais.

Clara Costa, hoje com 21 anos, descobriu sua gravidez aos 20. Ela mora no município de Viçosa, município da Zona da Mata alagoana. Ela soube da gestação quando estava com pouco mais de 2 meses:

"Foi uma sensação incrível, como uma possibilidade de pertencer a alguém: minha filha. No fundo, eu já sabia/sentia que seria mãe solteira e isso me abalou um pouco, mas nunca cogitei um aborto de fato, sequer tentei", afirma Clara, que teve o apoio da mãe durante a descoberta.

As duas tinham acabado de passar por uma grande perda, com o falecimento da avó materna de Clara e, segundo ela, a vinda da sua bebê manteve a racionalidade e a alegria no convívio com sua mãe. Já a reação inicial do seu pai, não foi nada positiva, mas com o tempo as coisas mudaram, explica ela: “Meu pai queria que eu abortasse mas, semanas depois, isso foi esquecido e agora, nas 39 semanas de gestação, ele se vê muito ansioso para a vinda da bebê ”

Quando questionada sobre outras dificuldades que envolveram sua trajetória até aqui, ela conta que o término conturbado do relacionamento foi uma peça chave para que as coisas chegassem a um ponto crítico.

“O que realmente foi difícil foi o término do relacionamento, pois com ele veio a ideia de ter de voltar para a casa dos pais, desempregada, sem nem o ensino médio completo, com uma relação conturbada com a família, me sentindo uma total fracassada aos 20 anos, tendo passado por tantos problemas anteriores e feito com que esses perdurarem e piorasse durante a gestação.

"Seu bebê, desde o ventre, sente você, passa pelas emoções junto com você, é nutrido pelo seu corpo. Você será literalmente o mundo para seu filho".

Clara diz que, apesar de tudo isso, ela começou o tratamento com medicamentos: “Hoje me sinto melhor e na maioria dos dias me sinto verdadeiramente apta e digna de ser uma boa mãe”,

Para as mães solteiras que queiram um conselho de outra mãe solteira, Clara fala sobre os medos e a relação com o bebê.

“Às vezes você verá tudo caindo aos pedaços mas outras vezes você sentirá que está tudo bem, e é nesse estado que você precisa focar, no estado de quando as coisas estão bem, ficarão bem e poderão dar certo. O seu filho é seu, sempre será, e ninguém poderá tirar esse título de você. Seu bebê, desde o ventre, sente você, passa pelas emoções junto com você, é nutrido pelo seu corpo. Você será literalmente o mundo para seu filho, não importando o ambiente onde esteja, não importando quem chega pra desmerecer seu momento, não importando como esteja se sentindo”

Andressa Ferreira , de 25 anos, mora em Portelinha, na Cidade Universitária, bairro da periferia de Maceió e está com 36 semanas de gestação. Ela fala também com bastante carinho sobre o bebê que está por vir. Quando questionada sobre como foi a descoberta da gravidze ela diz que foi “A melhor coisa” . Apesar de contar das dificuldades que passou com períodos de sangramento no início e o medo que teve, ela diz ter recebido muito apoio, principalmente da família. Ela já trabalhou de barman, mas atualmente se encontra desempregada.

Bolsinha da Andressa. Foto: Arquivo Pessoal

Mãe solteira na Maceió dos anos 80

Gildete Moraes, que completará 60 anos no próximo dia 23 relatou como foi ter sido mãe aos 22 anos de idade, ainda nos anos 80. Aposentada e moradora do conjunto São Caetano, no bairro da Forene, parte alta de, a gravidez foi ideia sua, embora hoje ela assuma que não tinha muito conhecimento sobre o processo de maternidade, nem sobre uma vida a dois.

“Quando eu engravidei foi surpresa e eu tive o apoio de minha mãe. Ela foi minha primeira amiga, ela ficou feliz.” Na época, Gildete não fez exames para descobrir qual o sexo da criança, mas diz que esperava que ocorresse tudo bem e aceitou o que viesse.

“Estava feliz, porque era uma vida gerando outra vida, principalmente por ser uma coisa tão delicada e tão preciosa, e é um diamante perfeito que Deus coloca no ventre de uma mulher, e até hoje eu tenho tanto orgulho”. Sua rotina não mudou com a descoberta, ela diz que continuou passeando e tendo sua rotina como antes.

“A minha intuição é que ela viria no momento certo, pela minha idade. Antigamente, com 21 anos,a gente já tinha que saber crescer na vida e saber o que é certo ou errado. 21 anos antigamente era ser independente”. Gildete ainda completa que após o parto, a equipe médica lhe contou de uma complicação, mas isso não a abalou:

“Quando as pessoas do hospital falaram ‘ela vem de uma maneira que o bracinho ta roxo’, eu disse ‘não tem problema’. Esperando ver a criança quando ela chegou pra mim e começou a se alimentar de mim, ai eu vi que não tinha nada de errado com ela. Eu agradeci a Deus e até hoje ela é perfeita”. Ela reafirma que ser mãe é uma coisa maravilhosa, mas apenas quando a pessoa está preparada para o processo. 

“Porque primeiramente para ser uma mãe é melhor que você cresça mentalmente. Porque você não imagine que uma criança é apenas uma criança é a joia mais rara que Deus fez no mundo e o ser humano deveria respeitar e valorizar, porque é muito especial”

“Uma criança merece amor, saúde, muita luz, perfeição e todo carinho de uma mãe, a paz de uma mãe, a paciência de uma mãe. Tudo que ela merece ela deve ter. Por isso eu digo que ser mãe é a coisa mais bonita do mundo “, completa ela.

Hoje Gildete é avó de 4 crianças e diz que o amor de mãe se renova, já que para ela “ser avó é ser mãe duas vezes”.

Cleonice Moraes, que também será avó daqui a alguns meses, tem 46 anos, mora no bairro da Forene, trabalha como líder de operações em uma empresa de transporte. Ela nos conta que sua jornada como mãe solo não foi fácil, principalmente porque ela morava longe de uma rede de apoio que pudesse lhe dar um suporte.

(Imagem de 2011)

“Tive momentos bem difíceis, mas também tive momentos bem prazerosos e maravilhosos que me ajudaram a seguir em frente”. Cleonice diz que teve dificuldades envolvendo os horários de trabalho, e que por isso foi complicado conciliar com uma creche, além disso, algumas pessoas que ela contratou não davam a assistência necessária para a sua filha, mas que apesar disso, reconhece todo o apoio que recebeu

(2012)

“Mas também tive pessoas maravilhosas, que cruzaram o meu caminho e que eu chamo de anjos, né? Os anjos que me ajudaram a criar minha filha e graças a Deus eu fui uma mãe solo com sucesso". ela fala orgulhosa como sua filha sempre ajudou no processo, mesmo quando ainda era bem pequena

“Ela me ajudou muito e fazia a parte dela em todos os sentidos. Mesmo ela criancinha, bebezinha, ainda com dois, três anos, ela já era uma criança muito consciente da necessidade de me ajudar, para que nós dois pudéssemos viver direitinho”, diz ela e ainda completa

“Mas é uma coisa muito difícil, é uma luta muito grande, além de todos os preconceitos que você precisa enfrentar muitas vezes das próprias mulheres, mas com a ajuda dos anjos bons que surgiram na nossa caminhada, graças a Deus tivemos muito sucesso”.

Com muita emoção ela explica que atribui sempre o sucesso que tiveram ao trabalho coletivo das duas e diz que, apesar de ter sido mãe solo com 21 anos e com todas as dificuldades que envolveram a gravidez, desde o parto, mas que depois as coisas fluíram

“Graças a Deus hoje minha filha é casada, está gestante de seis meses, tem seu trabalho, sua casa, tem seu esposo, não vai passar pelas dificuldades que eu passei para criá-la porque as condições são outras e com certeza o mérito dessas condições serem outras é dela e meu. Porque apesar de ser uma mãe solo eu sempre falei que criei minha filha para ela construir uma família diferente da que eu construí".

Ela finaliza: “Foi uma luta grande, também uma grande vitória e hoje estamos aqui, as duas crescemos, amadurecemos e temos nossas vidas”.

“Hoje eu tenho uma filha que fala pra mim que preferia passar fome do que se eu tivesse ido trabalhar, porque ela preferia ter crescido na minha presença. Mesmo eu voltando para casa todos os dias, eu trabalhava de madrugada, então eu muitas vezes chegava e encontrava eles dormindo e no outro dia me acordava quase na hora de voltar a trabalhar de novo”. 

Para Mônica Costa, descobrir a gravidez foi uma mistura de sentimentos. Ela diz que na época, aos 20 anos, não teve orientação de como evitar uma contracepção, então tudo foi um grande susto. Mônica hoje tem 51 anos e está desempregada. Ela conta qie descobriu a gestação apenas quando já estava com 6 meses e logo em seguida teve que deixar o trabalho em que estava.

(Os três filhos Katyanne, Caio e Junior)

“Eu fiquei pensando ‘e agora? o que vai ser ?’ Então assim, eu tive a emoção que a gente tem de sentir aquela coisinha dentro da gente mexendo. É gostoso sim, mas ao mesmo tempo a gente fica assustada com o que vai fazer, com o depois”.

Lembrando da época em que teve seu primeiro filho, ela diz que recebeu um suporte, mas as coisas foram piorando quando ela passou a viver com o genitor da criança. Segundo seu relato, com o passar dos anos tudo piorou e ela sentia falta de suporte e de um carinho paterno por parte dele, que muitas vezes, inclusive, se mostrava irresponsável. Isso tudo fez com que ela tomasse a decisão de se separar, mas decidiu ir embora porque não queria que seus filhos vivessem em um lar tóxico.

A sensação de solidão e desamparo foi o mais difícil do processo


"Você olhar pro lado e não ter aquela proteção, você ver que tem uma criança, mas não tem a proteção, porque mulher nenhuma faz filho só, então quando a gente vê que não está amparada se sente muito só e abandonada”. Ela conta que seus filhos nunca receberam suporte financeiro ou afetivo do genitor e que hoje eles, já adultos, com 26, 27 e 29 anos, afirmam que ela “foi o pai e a mãe deles”.

Ela ficou sozinha com as crianças quando elas tinham 3, 4 e 6 anos de idade e pela pouca idade que tinham ela precisou se dividir entre o trabalho e o cuidado das crianças, o que faz com que ela fosse um pouco ausente, sem suas próprias palavras:

“Eu gostaria de ter ficado mais tempo com meus filhos, ter aproveitado o crescimento deles, mas eu não conseguia”. Além disso, conta ela, era complicado explicar para eles o motivo pelo qual ela não podia estar com eles o tempo todo.

Para uma outra mãe que possa estar passando pela mesma situação, Monica diz que é necessário um grande preparo e atenção. Em um desabafo emocionado, ela conta que isso pesa muito e até abalou sua relação com os filhos

“Hoje eu tenho uma filha que fala pra mim que preferia passar fome do que se eu tivesse ido trabalhar, porque ela preferia ter crescido na minha presença. Mesmo eu voltando para casa todos os dias, eu trabalhava de madrugada, então eu muitas vezes chegava e encontrava eles dormindo e no outro dia me acordava quase na hora de voltar a trabalhar de novo ”, completa ela.

Por mais que ela reconheça que tenha feito tudo isso para que seus filhos ficassem bem, ela diz às mães solteiras, que espera que elas possam dar ainda atenção aos seus filhos

“Na horado crescimento é que eles mais precisam da gente”, Durante sua história, ela trabalhou em lanchonetes, como produtora de conteúdo para rádio e nas ruas, e também como produtora de uma banda de pagode. Apesar de ter passado sua juventude permeada por todos os desafios que citou, ela fala orgulhosa como venceu sozinha todos os obstáculos que enfrentou

“Não pedi ajuda a ninguém, sofri calada, até o dia que fui embora pra sempre e hoje não admito que ninguém me desrespeite"

Alguns dados sobre


Somente de janeiro a abril do ano de 2022, mais de 56.931 crianças foram registradas sem o nome do pai. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 11 milhões de mulheres que são as únicas responsáveis pelos cuidados com filhos e filhas. 63% das casas que são chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza.

Uma informação importante é que no ano de 2012, em uma tentativa de diminuir a porcentagem de pais ausentes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu possibilidade de o registro seja feito qualquer cartório, sem a necessidade de decisão judicial se as duas partes concordarem.

Se homens que decidirem reconhecer a paternidade só precisam comparecer a esses locais com a certidão de nascimento da criança e anuência da mãe.

Nos casos em que os pais se recusam a fazer o registro, as mães podem recorrer aos próprios cartórios para fazer o comunicado. Então os estabelecimentos comunicam aos órgãos competentes para abrir a investigação da paternidade.

*Estagiária sob supervisão