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Com a família no peito, torcedor busca na Copa um novo sentido para a vida

Por Redação Jal com Agências 02/07/2018 15h03
Com a família no peito, torcedor busca na Copa um novo sentido para a vida

Essa não é uma história de rivalidade e nem de gols. Nos arredores do clima de Copa do Mundo, na Praça Vermelha, em Moscou, conhecemos Gilberto Martinez. Ele é um torcedor mexicano que carrega no peito três credenciais de torcedor e uma dor difícil de imaginar ou entender.

Ansioso pelo início do Mundial na Rússia, Gilberto Martínez já tinha tudo planejado. Antecipadamente, da forma que tem que ser, até para evitar qualquer estresse. Passagens, ingressos, quarto de hotel... Tudo reservado.

Dois meses antes ele estava sozinho na capital mexicana já que sua esposa argentina, Verónica, e seus filhos Diego, oito anos, e Mía, seis, viajavam pelos Estados Unidos para visitar seu cunhado. O carro em que sua família estava, na Flórida, chocou-se com um outro muito maior, uma 4X4, com violência, matando na hora toda sua família, antes da viagem da vida de todos.

As credenciais (os "Fan Ids" da Copa) são de Vero, Mia e Diego. É como se sua vida estivesse ali, pendurada para não ser esquecida. Sua esposa e seus dois filhos pequenos.

Os ingressos estavam comprados, e as camisas customizadas com o nomes das crianças. Mas nada mais fazia sentido para o torcedor mexicano. Uma ligação, no entanto, mudou tudo. Do outro lado da linha, era Guillermo Ochoa: goleiro da seleção de seu país e ídolo de seu filho.

"Eu tinha decidido não vir. E ao final desse papo ele me disse: o seu filho será um anjo que me levará para voar. Foi nesse momento eu achei que era uma mensagem do meu filho dizendo “papai, você tem que ir e viver isso'' - conta,emocionado.

Com o apoio e a ajuda incessante de dois amigos próximos, Gilberto veio para a Rússia. Levou a família no peito e nas costas aos cinco jogos que tinham planejado antes da tragédia. Assistiu à vitória histórica de seu país sobre a campeã mundial Alemanha logo na estreia. 

“Para minha filha, era uma viagem que ela esperava de forma diferente no futebol. Ela gostava de ver o irmão jogando e estava ansiosa por conhecer a Rússia. Ela queria ver as matrioshkas [bonecas russas], dizia muito”, conta Martínez, com os olhos marejados, em entrevista exclusiva à ESPN Deportes, do México.

“Seus professores e amigos me contavam que todo dia ela falava sobre isso. Quando chegaram as identificações de torcedor, ela ria muito do nome dele em russo. Os últimos ingressos que conseguimos foram da Argentina porque ele queria ver o Messi e não estava fácil de consegui-los. Quando lhe contei, foi uma alegria só”, rememora.

Como conseguir forças, então, para fazer sozinho aquilo que faria com toda a família, ainda mais após aquela tragédia? É aí que entra Guillermo Ochoa.

Goleiro da seleção mexicana e ídolo do América, time do coração de Gilberto Martínez, Memo ficou sabendo do ocorrido e não pensou duas vezes em mandar uma mensagem de condolências.

Aquilo tudo reatou a fé de Martínez.

“Quando eu estava no funeral de minha família, nos Estados Unidos, ele foi o primeiro a me mandar uma mensagem. O que posso te dizer sobre isso? É a principal razão por eu estar aqui agora”, diz.

“Ele usou uma frase que me marca até hoje: ‘seu filho é um anjo que vai me ajudar a voar. Eu interpretei como uma mensagem do meu filho, que me disse: ‘papai, você tem que ir. Vá, viva a Copa e honre-nos", lembra.

Na estreia mexicana no torneio, aquele mesmo jogo em que Lozano deu alegria a milhões de torcedores de El Tri pelo mundo todo, diante da poderosa e atual campeã mundial Alemanha, Martínez não segurou a emoção e falta que Verónica, Diego e Mía lhe fazim naquele momento.

“Foi uma partida muito dura porque era o Dia dos Pais, foi jogo perfeito do México, o primeiro gol na Copa. Foi um momento de desabafo. Chorei, cinco ou dez minutos depois do gol e só pensei neles. Nele principalmente. Foi uma grande alegria, uma grande satisfação”, conta.

Em um dos momentos mais marcantes do torcedor no país europeu, Martínez teve a oportunidade de, como um jogador - assim como seu filho sonhava - pisar no gramado.

“Por uma amiga que vive aqui, me fizeram a surpresa de entrar em campo antes do jogo em Rostov e creio que foi para mim o momento da viagem. Tirei uma foto da camisa com seu nome, sua identificação e a bola oficial no banco do México. Ele sempre quis jogar uma Copa do Mundo e, nesse dia, ele jogou", diz.

“Foi a Copa do Mundo mais planejada e a mais difícil, obviamente. Custa estar aqui, custa vive-la, mas, como disse: agora é terminar a única coisa que estava pendente com minha família e honrá-los. Era esta a viagem e aqui estou. Me faltou o tempo, mas o tempo em que estiveram comigo foi aproveitado 100%. Vero, Diego, Mía, vocês sempre estarão comigo no meu coração. Amo vocês.”

Neymar se emociona e manda recado

Gilberto demonstra querer contar a história rápida de seu filho. Querer contar o quanto já tinha orgulho dele. Reviver tudo isso durante o Mundial foi sofrido, mas de certa forma, as lembranças bonitas parecem dar sentido para seguir.Diego era apaixonado pelo América do México e louco pelo Barcelona. Torcia e jogava em uma escolinha. Entre seus ídolos, Messi e Neymar.

"O meu filho tentava muitas vezes, jogava. Quero dizer ao Neymar que ele tinha um fã. Que o admirava. O via muitas vezes pela televisão. Quando ele saiu do Barcelona, passou a acompanhar o PSG por causa de Neymar. Assisti ao jogo do Brasil contra a Costa Rica porque tinha ingresso. Ele queria ver o Neymar" - disse.

Um pouco distante de Moscou, onde Gilberto passou os últimos dias da Copa, Neymar ficou sabendo da história do torcedor. Da concentração da Seleção em Sochi, o camisa 10 brasileiro também se sensibilizou pela história e enviou um recado para Gilberto, a pedido da reportagem. Em espanhol, o craque disse:

''Obrigado pelo carinho. Creio que não posso imaginar como passou os últimos meses, que foram difíceis para você. Mas está aqui pela sua família, pelo sonho de vocês. Obrigado pelas palavras. Por gostar do futebol brasileiro. Espero continuar jogando futebol, sendo feliz em campo, por seu filho, o meu, e as famílias que gostam do futebol'' .

Vídeo Neymar - Twitter


Na Copa, não é somente a lembrança do pequeno Diego que volta à sua cabeça a cada momento. A esposa e a filha estavam empolgadas para viver a experiência na Rússia.

Cada vez que passou por um museu ou pelo bonito teatro do Balé Bolshoi, lembrou delas.

"A minha filha sempre falava de conseguir ingressos pra ver o balé, ver a dança, porque ela gostava muito, dançava balé.. e a minha esposa era a parte cultural, tinha lido muito sobre a história , os museus."

Gilberto voltará ao México antes das quartas de final, conforme já era planejado anteriormente. Segue buscando o melhor sentido para seguir em frente e usa suas palavras para ajudar pessoas que sofrem ou sofreram perdas irreparáveis. Seu plano é abrir uma fundação para tentar amenizar nas outras pessoas uma dor que, ele sabe, jamais sairá do seu peito.