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Adoçantes aceleram o declínio cognitivo, alerta estudo da USP
Estudo inédito da USP mostrou que nos maiores consumidores, o declínio chegou ao equivalente a 1,6 anos de envelhecimento

Os adoçantes artificiais são frequentemente comercializados como opções mais saudáveis ao açúcar. No entanto, um crescente número de evidências científica aponta para riscos associado ao consumo destes compostos. O estudo mais recente, publicado nesta quarta-feira (3) na revista científica Neurology, indica que alguns adoçantes estão associados a um declínio cognitivo mais rápido.
— Adoçantes de baixa ou nenhuma caloria são frequentemente vistos como uma alternativa saudável ao açúcar, no entanto, nossas descobertas sugerem que quem consome muito adoçante pode estar piorando sua cognição — diz a autora sênior do estudo, a médica Claudia Kimie Suemoto, professora de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Essa é a primeira vez que um estudo tão abrangente analisa o impacto do consumo de substitutos do açúcar na saúde cerebral. O mesmo grupo já havia publicado a primeira evidência que associava o consumo de ultraprocessados ao declínio cognitivo.
Uma sequência natural, segundo Suemoto, é tentar isolar os elementos que estão presentes na alimentação ultraprocessada e que tenha, talvez, associação com declínio cognitivo, como os adoçantes. Outra motivação para a pesquisa foi a experiência pessoal da médica, que costumava usar muito adoçante. E por fim, havia evidências recentes associando o uso de adoçante com maior risco de câncer e talvez de doença cardiovascular.
No trabalho, pesquisadores da USP analisaram dados de 12.772 adultos de todo o Brasil, participantes do estudo Elsa Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto), que acompanha os mesmos indivíduos ao longo do tempo, avaliando-os periodicamente, para verificar mudanças em variáveis específicas. A idade média foi de 52 anos e os participantes foram acompanhados por uma média de oito anos.
No início do estudo, os participantes responderam a questionários sobre dieta, detalhando o que comeram e beberam no último ano. Os adoçantes analisados foram aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, xilitol, sorbitol e tagatose. Eles são encontrados principalmente em alimentos ultraprocessados, como água saborizada, refrigerantes, bebidas energéticas, iogurte e sobremesas de baixa caloria. Alguns também são usados como adoçante independente.
Os participantes então foram divididos em três grupos com base na quantidade total de adoçantes artificiais consumidos. O grupo com menor consumo tinha uma ingestão diária média de 20 miligramas por dia e o grupo com maior consumo, 191 mg/dia, em média. Para o aspartame, essa quantidade equivale a uma lata de refrigerante diet. O sorbitol apresentou o maior consumo, com uma média de 64 mg/dia.
No início, meio e no fim do estudo, os voluntários foram submetidos a testes cognitivos para monitorar a memória, a linguagem e as habilidades de pensamento ao longo do tempo. Os testes avaliaram áreas como fluência verbal, memória de trabalho, recordação de palavras e velocidade de processamento.
Após o ajuste para fatores como idade, sexo, pressão alta e doenças cardiovasculares, os resultados mostraram que pessoas que consumiram as maiores quantidades diárias de adoçante apresentaram declínios um declínio 62% mais rápido, em comparação com aquelas que consumiram as menores quantidades. Isso equivale a cerca de 1,6 ano de envelhecimento.
Aqueles no grupo intermediário apresentaram um declínio 35% mais rápido do que o grupo mais baixo, equivalente a cerca de 1,3 ano de envelhecimento. Em relação ao declínio da fluência verbal, os participantes nos dois grupos de mais alto consumo apresentaram taxas 110% e 173% maiores, respectivamente. Os maiores consumidores também tiveram uma taxa de declínio de memória 32% mais alta que os demais.
Quando os pesquisadores dividiram os resultados por idade, descobriram que pessoas com menos de 60 anos que consumiram as maiores quantidades de adoçantes apresentaram declínios mais rápidos na fluência verbal e na cognição geral, em comparação com aquelas que consumiram as menores quantidades.
Segundo Suemoto, esse achado pode estar associado a uma questão cultural, já que pessoas mais jovens tendem a usar mais adoçante do que os mais velhos. Os pesquisadors também descobriram que a ligação com o declínio cognitivo mais rápido era mais forte em participantes com diabetes do que naqueles sem a doença, que são justamente as mais propensas a usarem substitutos do açúcar.
Ao analisar adoçantes individualmente, o consumo de aspartame, sacarina, acessulfame-k, eritritol, sorbitol e xilitol foi associado a um declínio mais rápido na cognição geral, particularmente na memória. Por outro lado, não foi encontrada nenhuma relação entre o consumo de tagatose e o declínio cognitivo. No entanto, isso não significa que seu consumo esteja liberado e ela seja totalmente segura.
Embora o estudo tenha mostrado uma associação entre o uso de alguns adoçantes artificiais e o declínio cognitivo, como se trata de um estudo observacional, não é possível afirmar que esses compostos causaram o declínio. Mesmo assim, os pesquisadores acreditam que os resultados são fortes o suficiente para reduzir o consumo de adoçantes.
— É importante ressalta que não existe uma evidência conclusiva de causa e efeito. Mas se você tem um sinal de que o consumo de adoçantes provavelmente não faz bem para câncer, para a saúde cardiovascular e para a saúde cerebral, acho que as pessoas têm que ficar cada vez mais estimuladas a não adoçarem — pontua a pesquisadora, que reduziu seu próprio consumo após este estudo.
Ela também ressalta para a importância da realização de mais pesquisas, não só para confirmar essas descobertas em outras populações, mas também para investigar se outras alternativas ao açúcar refinado, como compota de maçã, mel, xarope de bordo ou açúcar de coco, podem ser alternativas eficazes.
— Se isso for realmente confirmado em mais de um estudo, já é o suficiente não só mudar o hábito individual de cada um, mas também a gente começar a pensar em políticas públicas, como a inclusão de alertas nas embalagens — avalia Suemoto.
Em relação às formas como o adoçante poderia prejudicar a saúde cerebral, existem algumas hipóteses, como neurotoxicidade e neuroinflamação provocados por produtos resultantes da degradação dos adoçantes artificiais.
Outra possível explicação seria o potencial dos adoçantes artificiais de alterar a microbiota intestinal, o que pode impactar a tolerância à glicose e afetar a integridade da barreira hematoencefálica, uma estrutura que envolve e protege o sistema nervoso central de agressores, sejam moléculas ou microrganismos.
— Já conseguimos mostrar que os alimentos ultraprocessados têm uma associação com a redução da cognição cerebral e agora também, essa questão dos adoçantes — diz Paulo Lotufo, um dos autores do estudo e professor titular da Faculdade de Medicina da USP. — Eu sempre usei adoçante. Mas confesso que quando a gente terminou o trabalho, comecei a reduzir e fui me acostumando a tomar café sem adoçante, coisa que eu nunca imaginei que eu ia fazer. E por aí vai, reduzindo ao máximo o refrigerante dietético, mudando vários hábitos.
As limitações do estudo incluem o fato de que nem todos os adoçantes artificiais foram incluídos. Por exemplo, sucralose e stévia, dois adoçantes bastante usados atualmente, ficaram de fora porque eles não estavam entre os mais consumidos no Brasil nos anos do estudo, que começou em 2008. Apesar disso, outros estudos já levantaram problemas semelhantes também sobre a sucralose, associando o consumo desse adoçante à diminuição do desempenho da memória e da função executiva. Além disso, informações sobre a dieta foram relatadas pelos participantes, que podem não se lembrar com precisão de tudo o que comeram.
