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Tarifaço em vigor: como a medida afeta o agro do Brasil

Em um primeiro momento, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima a redução de US$ 5,8 bilhões por ano no valor arrecadado

Por Globo Rural 06/08/2025 11h11
Tarifaço em vigor: como a medida afeta o agro do Brasil
Aplicação da sobretaxa de mais 40%, totalizando 50%, a produtos importados do Brasil passa a valer hoje - Foto: Pixabay

Depois de Canadá, China, Hong Kong e México, os primeiros países que Donald Trump impôs tarifas sobre produtos importados pelos Estados Unidos, o Brasil também foi incluído na lista e passa a ser taxado em 50% a partir de hoje, 6 de agosto.

Inicialmente, a tarifa entraria em vigor na sexta-feira (1), mas, ao assinar a ordem executiva para implementar a cobrança adicional de 40% sobre as mercadorias brasileiras, somado aos 10% já aplicados desde abril, o presidente americano postergou o tarifaço em cinco dias.

Entre todos os setores da economia, o agro é um dos mais preocupados, porque a tarifa irá afetar diretamente as negociações de exportação. Em um primeiro momento, a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) estima a redução de US$ 5,8 bilhões por ano no valor arrecadado.

O prejuízo elevado tem uma explicação: os EUA são o segundo maior destino das mercadorias do país, com 9,43 milhões de toneladas enviadas em 2024 e receita de 12,09 bilhões, conforme o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Mas o que é o tarifaço e como ele pode afetar o agronegócio brasileiro? Entenda essas e outras dúvidas abaixo:

O que é o tarifaço?

O termo informal é usado para descrever o conjunto de tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos importados de diversos países pelo mundo.

No caso do Brasil, por exemplo, a taxa cobrada será de 50%, a maior até o momento entre quem já foi notificado por Donald Trump desde que o presidente retornou à Casa Branca para o segundo mandato. O valor totaliza os 10% aplicados desde o mês de abril sobre os bens importados, mais 40% implementados agora.

Outras nações também se tornaram alvo, como África do Sul (30%), Bangladesh (35%), Coreia do Sul (25%), Filipinas (20%), Indonésia (32%), Japão (25%), Laos (40%), Myanmar (40%), Sérvia (35%), Tailândia (36%), etc.

Por que os EUA aplicaram o tarifaço ao Brasil?

No comunicado feito pela Casa Branca que confirmou a adição de mais 40% nas tarifas, Trump explicou que a sobretaxa visa “proteger a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos contra uma ameaça estrangeira”.

Em resumo, são três os principais motivos: censura a empresas americanas no território brasileiro, perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro e preocupação com a liberdade de expressão.

“A Ordem declara uma nova emergência nacional usando a autoridade do Presidente sob a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional de 1977 (IEEPA) e estabelece uma tarifa adicional de 40% para enfrentar as políticas e ações incomuns e extraordinárias do Governo do Brasil que prejudicam empresas americanas, os direitos de liberdade de expressão de cidadãos americanos, a política externa dos EUA e a economia americana”, diz o documento.

O tarifaço afeta o agro do Brasil?

Sim. Como os EUA são o segundo maior importador de produtos brasileiros, atrás apenas da China, o tarifaço promete impactar muitas negociações e diminuir consideravelmente os valores recebidos pelos mesmos exportadores até o momento.

No ano passado, conforme dados do Mapa, a receita contabilizada com o envio de 9,43 milhões de toneladas de mercadorias superou US$ 12 bilhões. E, segundo a estimativa da CNA, a redução no primeiro ano pode chegar a US$ 5,8 bilhões, ou seja, quase 50%.

Desde 9 de julho, quando Donald Trump anunciou a sobretaxa ao Brasil, empresas brasileiras já contabilizaram prejuízos. Um deles envolve a manga cultivada no Vale do São Francisco, na divisa entre Pernambuco e Bahia. Produtores locais da fruta, líder entre as variedades enviadas aos EUA, paralisaram as negociações de embarque previstas para agosto e que poderiam render mais de US$ 50 milhões.

Em outro caso, a empresa americana Netuno, maior compradora de pargo brasileiro, suspendeu as negociações para importar pescado até a resolução do impasse sobre a tarifa depois de comprar quase 2,5 mil toneladas do item apenas no primeiro semestre de 2025.

Quais produtos do agro o Brasil mais exporta aos EUA?

A tarifa de 50% sobre mercadorias brasileiras pelo governo de Donald Trump terá efeitos negativos em importantes segmentos do agronegócio. Os EUA são os maiores compradores de café, o segundo maior importador de carne bovina e um cliente relevante de açúcar. E todos os três serão taxados com o valor máximo.

A lista de produtos enviados ao país americano, no entanto, é bem mais extensa e inclui ainda sucos, frutas, cacau, fumo, cereais, mel e soja, por exemplo. Os itens florestais lideraram o ranking em 2024 com US$ 3,7 bilhões de receita e 30% de participação no total comercializado. Confira abaixo:

Produtos florestais – US$ 3,7 bilhões
Café – US$ 2 bilhões
Carnes – US$ 1,4 bilhões
Sucos – US$ 1,1 bilhão
Complexo sucroalcooleiro – US$ 791 milhões
Demais produtos de origem animal – US$ 725 milhões
Demais produtos de origem vegetal – US$ 396 milhões
Couros, produtos de couro e peleteria – US$ 328 milhões
Fumo e seus produtos – US$ 328 milhões
Pescados – US$ 255 milhões
Produtos alimentícios diversos – US$ 211 milhões
Frutas (inclui nozes e castanhas) – US$ 174 milhões
Cereais, farinhas e preparações – US$ 107 mihões
Cacau e seus produtos – US$ 83 milhões
Produtos apícolas – US$ 78 milhões
Produtos oleaginosos (sem soja) – US$ 58,8 milhões
Complexo soja – US$ 58,2 milhões
Chá, mate e especiarias – US$ 52 milhões
Hortaliças – US$ 44 milhões
Fibras e produtos têxteis – US$ 27 milhões
Bebidas – US$ 24 milhões
Lácteos – US$ 15 milhões
Rações para animais – US$ 13 milhões
Animais vivos (exceto pescados) – US$ 5 milhões
Plantas vivas e produtos de floricultura – US$ 3 milhões

Todos os produtos brasileiros serão taxados?

Não. Na última quarta-feira (30/7), os EUA reduziram o alcance do tarifaço no Brasil com a assinatura da carta executiva divulgada pela Casa Branca, e quase 700 produtos não serão taxados em 50%. Um deles é o suco de laranja, contemplado na lista de exceções. Por outro lado, o café e a carne bovina seguem ameaçados.

Como o Brasil é o principal fornecedor de suco de laranja aos EUA, com 70% de tudo que importam para consumo, as indústrias receberam com alívio a informação de que a commodity continuará pagando apenas 10% de taxa. Mas, ao mesmo tempo em que a notícia é positiva, é acompanhada de responsabilidade.

“O setor entende que tem compromisso de continuar atendendo o mercado americano como faz há 60 anos. O consumo por lá também caiu bastante nesse período, mas não de uma maneira tão acentuada como a produção. Então, essa diferença entre o que eles produzem e o que consomem acabou aumentando a necessidade de importação de suco”, destaca Ibiapaba Netto, diretor-presidente da CitrusBR.

Além do suco de laranja, outros produtos agrícolas também não serão taxados em 50%. Veja abaixo;

Polpa de laranja;
Suco de laranja congelado;
Suco de laranja não congelado;
Castanha (com casca, fresca ou seca);
Madeira tropical, nesoi, serrada ou lascada longitudinalmente, cortada em fatias ou desenroladas, mesmo aplainada, lixada ou unida pelas extremidades, de espessura superior a 6 milímetros;
Polpa química de madeira;
Fertilizantes minerais ou químicos contendo os três elementos fertilizantes nitrogênio, fósforo e potássio;
Fertilizantes minerais ou químicos contendo os dois elementos fertilizantes fósforo e potássio;
Artigos de polpa de papel;
Artigos de pasta de celulose;
Artigos de borracha.

    Como será a aplicação do tarifaço?

    A partir de 6 de agosto, todos os produtos importados pelos Estados Unidos – exceto aqueles da lista de contemplados – serão taxados em mais 40%, totalizando 50% com a tarifa já aplicada desde o mês de abril.

    O tarifaço só não será válido para as mercadorias que saírem dos portos brasileiros antes da meia-noite de 6 de agosto e estiverem em direção ao país americano. Porém, mesmo beneficiadas pela regra, elas podem ser alvo caso não tenham sido disponibilizadas para consumo até 5 de outubro.

    O que mais preocupa o Brasil com o tarifaço?

    O café e a carne, dois dos itens mais exportados aos EUA, estão no foco da preocupação dos produtores brasileiros com a aplicação do tarifaço. E, diferente do suco de laranja, não foram incluídos na lista da taxação de apenas 10%. Mas por que os dois produtos estão no centro das atenções? Entenda!

    Café

    Mais do que uma simples bebida, o café impulsiona a economia americana e precisa ser importado, porque os EUA produzem apenas 1% do que é consumido. A dificuldade de desenvolver cafezais, mesmo com uma área territorial de quase 10 milhões de quilômetros quadrados – e maior que o Brasil –, envolve três fatores: clima, geografia e custos.

    Um dos países procurados, então, para suprir a necessidade interna de café é o Brasil, maior produtor e exportador do mundo, que enviou US$ 2,074 bilhões do grão em 2024, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária.

    Carne bovina

    A proteína brasileira virou protagonista nos EUA, representando 26,6% de toda a carne importada no primeiro semestre de 2025. E a procura expressiva acontece, principalmente, pela liquidação do rebanho local.

    Para a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o fim das negociações de carne com os EUA pode representar o prejuízo de US$ 1 bilhão ao mercado nacional nos próximos meses.

    Para diminuir as perdas, uma das soluções seria a busca por outros mercados pelo mundo. No entanto, na avaliação de Roberto Perosa, presidente da Abiec, nenhuma alternativa iguala o que é vendido aos americanos.

    “A gente vinha com 15 (mil) a 25 mil toneladas de carne por mês aos EUA, e a perspectiva é que fossem exportadas 400 mil toneladas neste ano para eles. Se não houver mudança na tarifa e não conseguirmos fazer as 200 mil toneladas que faltam no segundo semestre… Não tem um mercado que absorva tudo”, diz.

    A longo prazo, o prejuízo será ainda maior e pode alcançar US$ 3 bilhões por ano em 2026 e nos dois anos seguintes, projeta a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo). Os cálculos consideram o embarque de diversos itens:

    Cortes de carne bovina desossados congelados (149,4 mil toneladas e US$ 737,8 milhões);
    Sebo bovino (230,2 mil toneladas e US$ 248,7 milhões);
    Preparações alimentícias e corned beef ou carne enlatada (23,4 mil toneladas e US$ 239,1 milhões);
    Carnes bovinas desossadas frescas ou refrigeradas (7 mil toneladas e US$ 53 milhões);
    Carnes bovinas salgadas, secas ou defumadas (1,2 mil toneladas e US$ 7,7 milhões).

    O que dizem os representantes do agro sobre o tarifaço?

    Com a publicação da ordem executiva pela Casa Branca na última quarta-feira (30/7), confirmando a sobretaxa de 50% a produtos importados do Brasil, representantes de diversos segmentos do agronegócio se manifestaram com preocupação.

    Em um primeiro momento, a projeção da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) calcula que o impacto do tarifaço alcance US$ 5,8 bilhões, cerca de 50% do valor arrecadado em 2024 com as negociações envolvendo os EUA. Veja o que dizem representantes do agro:

    Açúcar


    “É difícil fazer uma previsão em um país e um mundo com tantas imprevisibilidades. É importante a figura do refinador americano, porque ele é um bom comprador. Não vamos desistir de uma parceria muito consolidada”, diz Renato Cunha, presidente da Associação dos Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio) e do Sindaçúcar de Pernambuco.

    Café

    “A entrada da taxa, que já era um cenário mais provável, não impede a nossa negociação. Em exemplos anteriores, vários países foram taxados e negociaram outros formatos depois. Teremos de correr contra o tempo, conviver o menor tempo possível com essas taxas, tentar baixá-las e conseguir um diálogo. A grande questão é quando e como”, afirma Marcos Matos, diretor-executivo do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

    Carne

    “Nós vamos precisar buscar mercado lá fora para suprir essas nossas necessidades de demanda. O Brasil vai ter que focar no mercado asiático, no Oriente Médio, no mercado chinês, que é um parceiro comercial importante”, adianta Fernando Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado.

    “Os EUA são nosso segundo maior mercado e essa taxa inviabiliza a exportação de carne bovina aos Estados Unidos. A nossa expectativa era exportar 400 mil toneladas de carne, e nós não vamos conseguir com essa tarifa”, ressalta Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).

    Frutas

    “Muita gente planta pensando exclusivamente no mercado americano, especialmente da variedade Tommy, que responde por cerca de 70% do que é enviado para os Estados Unidos. Se a Europa começar a receber muita manga, o preço vai despencar”, destaca Paulo Dantas, diretor da Agrodan, sobre a fruta mais exportada ao país americano.

    Máquinas agrícolas


    “A medida tem repercussões tanto econômicas quanto comportamentais: enquanto os setores diretamente impactados já revisam planos, produtores de outras cadeias também adotam postura mais conservadora”, expõe Pedro Estevão, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

    Pescados

    “Não há alternativas viáveis de mercado. O Brasil abriga uma cadeia produtiva de pescados altamente dependente das exportações para os Estados Unidos. Essa realidade agrava-se no caso de Estados como o Ceará, onde empresas têm sua operação diretamente atrelada a esse fluxo”, divulga a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca) em comunicado.