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'Schindler indiana': a princesa que salvou judeus e desafiou os nazistas

Hilda Duleep Singh virou ícone LGBTQ, enquanto detalhes sobre sua vida continuam a surgir

Por Brenda Haas/ DW 03/06/2025 17h05
'Schindler indiana': a princesa que salvou judeus e desafiou os nazistas
Catherine Hilda Duleep Singh virou ícone LGBTQ, enquanto detalhes sobre sua vida continuam a surgir - Foto: Imagem: DW

"Schindler indiana": a princesa que salvou judeus e desafiou os nazistas - Filha de um marajá e vivendo abertamente em uma relação homossexual na Alemanha do início do século 20, Catherine Duleep Singh usou sua influência e recursos para ajudar famílias judias a escapar do Holocausto. Nos anais da história da Segunda Guerra Mundial, poucos esperariam que uma princesa sikh de origem indiana, oriunda de uma família real destronada, resistisse discretamente à Alemanha nazista e vivesse abertamente com uma parceira homossexual muito antes de os direitos LGBTQ+ serem reconhecidos - e muito menos aceitos.

No entanto, foi exatamente isso que a princesa Catherine Hilda Duleep Singh fez.

Filha do último marajá do Império Sikh, no subcontinente indiano, Catherine abriu seu próprio caminho e desafiou as normas sociais.

O reconhecimento de seu legado é relativamente recente. Entre os que trouxeram seus atos ao primeiro plano está o biógrafo britânico Peter Bance, que passou mais de duas décadas pesquisando e escrevendo sobre a família Duleep Singh, além de reunir as extraordinárias contribuições de Catherine a partir de registros dispersos e documentos familiares.

Bance explicou ao jornal Metro em 2023: "Ela não fazia essas coisas para se autopromover, então as histórias não estavam em livros ou algo do gênero. Suas histórias sobreviveram por meio das pessoas que ela salvou".

Raízes reais, caminho radical

Nascida em 1871 em Suffolk, no Reino Unido, Catherine foi criada longe da terra que seu pai governou, um antigo império cuja área hoje compreende fatias dos atuais territórios da Índia e do Paquistão.

Aos 10 anos de idade, o marajá Duleep Singh foi forçado a entregar o Império Sikh - e o famoso diamante Koh-i-Noor - depois que os britânicos anexaram a área. Em troca, recebeu uma pensão da coroa britânica com a condição de "permanecer obediente ao governo britânico".

Mais tarde, se casou com Bamba Müller, que era alemã e etíope, com quem teve seis filhos; Catherine foi a quarta. A família viveu no exílio, mas sob o patrocínio da rainha Vitória, que também foi madrinha de Catherine.

Educada no Somerville College, em Oxford, Catherine apoiou a causa sufragista com suas duas irmãs, fazendo campanha pelo direito de voto das mulheres. Mas foi sua vida privada - especialmente seus anos na Alemanha - que viria a ficar marcada por sua coragem e falta de convencionalidade.

Catherine (esq.) e Lina Schäfer viveram juntas por cerca de 30 anos em Kassel
Catherine (esq.) e Lina Schäfer viveram juntas por cerca de 30 anos em KasselImagem: Peter Bance via DWKassel: lar longe de casa


Tendo perdido os pais na adolescência, Catherine desenvolveu um vínculo estreito com Lina Schäfer, sua governanta alemã. No início dos anos 1900, Catherine deixou a Inglaterra e se mudou com Schäfer para a cidade de Kassel, no centro da Alemanha. A casa em que viveram juntas por mais de três décadas ainda existe. O relacionamento delas, embora nunca tenha sido reconhecido formalmente, desafiou as normas sociais da época e permaneceu firme até a morte de Lina em 1937.

Catherine inicialmente se sentiu à vontade na cidade - entre outras coisas, o casal desfrutava de visitas anuais ao Festival de Bayreuth - mas a década de 1930 viu a Alemanha degenerar em um Estado policial sob o comando de Hitler.

"Ser de pele morena e homossexual na Alemanha durante a ascensão de Hitler era perigoso para ela", segundo Peter Bance. "Lembro-me de ter lido algumas correspondências entre ela e seu contador. Ele a aconselhou a deixar o país, alertando que ela seria alvo de ataques. Ela estava sendo vigiada pelos nazistas locais, mas se recusou a sair." 

Tornando a humanidade um problema seu

À medida que o regime nazista se tornava mais rígido, Catherine usou seus recursos e influência e ajudou vários indivíduos e famílias judias a escapar da perseguição na Alemanha e a começar uma nova vida no Reino Unido. Ela escrevia cartas de recomendação, fornecia apoio financeiro e garantia pessoalmente os documentos de imigração que eram cruciais.

Um dos exemplos mais documentados envolve a família Hornstein. Wilhelm Hornstein, um advogado judeu e soldado condecorado da Primeira Guerra Mundial, foi preso durante os Pogroms de Novembro de 1938 e encarcerado em um campo de concentração. Mais tarde, ele foi liberado com a condição de deixar a Alemanha. Catherine providenciou uma passagem segura para a Inglaterra para ele, sua esposa Ilse e seus dois filhos.

Catherine os hospedou na Colehatch House, sua casa de campo no vilarejo de Penn, Buckinghamshire, assim como outros refugiados judeus, incluindo um médico chamado Wilhelm Meyerstein e sua companheira, Marieluise Wolff, e um violinista chamado Alexander Polnarioff. Ela também defendeu aqueles que estavam internados como "estrangeiros inimigos" - uma ironia cruel para os judeus que haviam fugido dos nazistas.

"Acho que ela fez sua parte pela humanidade. Naquela época, aconteciam muitas atrocidades que passavam despercebidas, e algumas eram flagrantes também, e as pessoas faziam vista grossa. E ela poderia muito bem ter feito vista grossa e dito que 'não era da minha conta', mas ela fez daquilo um problema seu também", disse Bance à DW.

Em 2002, um dos resultados de sua "missão de resgate de uma mulher só" ressurgiu em um encontro casual.

Bance se lembra de que, depois de publicar um artigo local sobre Catherine, um homem chamado Michael Bowles entrou em seu escritório e lhe contou: "Minha mãe, meus tios e meus avós foram salvos pela princesa Catherine na Alemanha. E se não fosse por ela, eu não estaria vivo hoje".

Bowles é neto de Ursula, uma das crianças Hornstein salvas pela intervenção de Catherine.

Último descanso esquecido


Catherine morreu em 1942, aos 71 anos. Nem ela nem seus irmãos tiveram descendentes. Em seu testamento, ela solicitou que parte de suas cinzas fosse enterrada no túmulo de Lina Schäfer em Kassel.

Com o passar das décadas, o local caiu no esquecimento e se encontra em mal estado de conservação, e Bance agora está trabalhando com o Cemitério Principal de Kassel para marcar formalmente o túmulo que compartilhavam. "Eu realmente acho que é algo que a princesa Catherine teria gostado... Elas passaram a vida inteira juntas. E ela a amava muito", explica ele.

O vínculo entre elas, embora sutil em sua época, ressoa até hoje. Bance conta que, embora Catarina nunca tenha escondido seu relacionamento "e suas irmãs obviamente sabiam disso, mas era tudo muito discreto", já que naquela época "não era algo que elas teriam como que ostentado ou anunciado".

No entanto, à medida que o valor de Catherine ganha mais espaço na mídia, as comunidades LGBTQ+ a têm abraçado postumamente como um ícone por ter amado sem medo e vivido como queria. Desde então, ela tem sido destaque na cobertura da mídia durante diversos meses do Orgulho LGBTQ+.

Princesas da Resistência


Bance está agora trabalhando em um novo livro que deverá coincidir com uma exposição do Palácio de Kensington intitulada "Princesses of Resistance" (Princesas da Resistência), programada para março de 2026 e que se concentrará em Catherine e suas irmãs Sophia e Bamba.

"É uma exposição muito voltada para as mulheres, mostrando os esforços dessas princesas de Duleep Singh", disse Bance, acrescentando que emprestará itens de seu arquivo pessoal de quase 2 mil artefatos da família que ele colecionou ao longo de 25 anos.

Embora continuem a surgir detalhes sobre as famílias judias que Catherine ajudou, Bance já a descreveu como uma "Schindler indiana", em referência ao industrial alemão Oskar Schindler (1908-1974), a quem se atribui o mérito de salvar cerca de 1.200 vidas de judeus durante o Holocausto.

Bance reconhece que os esforços de Catherine podem não ter tido a dimensão numérica da lista original de Schindler. Mas ressalta: "Salvar uma vida ou salvar 10 vidas, ainda é 'salvar'. Você está salvando alguém que não é da sua cor, nem da sua religião, nem da sua origem étnica, mas está fazendo isso com base na humanidade".