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Memória, cultura, pertencimento: O que são os danos extrapatrimoniais causados pela Braskem em Maceió
Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais quer ouvir vítimas da mineração para garantir o resgate das tradições e sociabilidades perdidas depois do afundamento de solo em cinco bairros alagoanos

Quanto vale um imóvel, um comércio, uma fábrica, uma indústria, um hospital em um bairro condenado por um solo que afunda, resultado da mineração desenfreada de uma multinacional que encontrou em Alagoas um terreno propício para a exploração?
Concorde-se ou não, essas perguntas foram respondidas nos acordos firmados pela Braskem, empresa da cadeia do plástico que minerou sal-gema por 40 anos em Maceió, até o colapso de suas minas e a consequente subsidência do solo, que obrigou mais de 60 mil pessoas a deixarem suas casas, condenando cerca de 14 mil imóveis em cinco bairros da capital alagoana.
Com 20% da capital alagoana transformada em uma área erma e fantasmagórica, Maceió perdeu muito mais do que imóveis ao sucumbir às mazelas da ganância político-empresarial de decisões tomadas a portas fechadas. Sem idosos à porta de casa, sem jovens praticando esportes, sem feiras, encontros religiosos ou comércios variados, a cidade viu escoar parte de seu modo de vida, cultura, memória e sociabilidade.
O que Maceió enfrenta com o afundamento do solo causado pela mineração da Braskem é, antes de tudo, um colapso coletivo do tecido social. Esses danos invisíveis são os chamados danos extrapatrimoniais — expressão técnica que ganha corpo e urgência à medida que a reparação busca ir além do concreto e do asfalto.
Para mensurar, minimizar e, quando possível, resgatar essas perdas, os Ministérios Públicos Estadual e Federal (MPE e MPF) criaram, em 2021, o Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais (CGDE), formado por 13 pessoas voluntárias e não remuneradas, responsáveis por tratar da reparação dos danos morais coletivos e intangíveis.
Segundo Dilma de Carvalho, presidente do CGDE, esses danos não dizem respeito ao valor do imóvel perdido ou à indenização financeira. “Estamos falando de laços familiares rompidos, do desaparecimento de redes de apoio, de vizinhanças que eram como extensões da família e que foram desfeitas abruptamente”, afirma.
A Braskem já iniciou, sob inúmeras críticas, os processos de compensação financeira e relocação das famílias. Mas, para os atingidos, isso não basta. “O sentimento de pertencimento, de identidade com o território, a cultura local, os festejos populares, as idas à feira, o mercadinho da esquina – tudo isso se perdeu”, pontua Dilma.
Um programa lançado no início deste mês busca dar voz à população afetada, para que projetos sejam desenvolvidos a partir de seus relatos e para que as perdas extrapatrimoniais possam ser, ao menos, mitigadas.
Trata-se do Ecoa, projeto de escuta ampliada do programa Nosso Chão, Nossa História, que utilizará mobilizadores locais e até uma ferramenta de inteligência artificial humanizada via WhatsApp para ouvir ao menos 14 mil vítimas diretas da Braskem, hoje espalhadas por Maceió após o êxodo forçado.
O programa atua na reparação de danos morais coletivos e destinará R$ 150 milhões – oriundos do acordo socioambiental da Braskem com o Ministério Público – para projetos nas áreas de cultura, saúde mental, empreendedorismo e desenvolvimento comunitário.
“Com base nas informações coletadas, será possível desenvolver estratégias de reparação mais direcionadas e eficazes, promovendo um processo de participação cada vez mais contínuo da população no programa. Nada sobre nós, sem nós”, destaca Dilma de Carvalho.
“A Braskem destruiu os territórios físicos, mas não conseguiu destruir nossas memórias, nossa identidade, nossas histórias. Este programa é a materialização de que ainda existimos enquanto comunidade.”
Ela explica que, embora outras escutas já tenham sido realizadas no contexto dos trabalhos de reparação conduzidos pela Braskem, muitos atingidos não se sentiram plenamente ouvidos, especialmente diante da complexidade que envolvem os danos extrapatrimoniais.
Sobre o Programa
O Programa Nosso Chão, Nossa História é resultado de uma ação civil pública do Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL), que responsabilizou a Braskem pela reparação dos danos extrapatrimoniais causados pelo afundamento de cinco bairros em Maceió.
As atividades e os projetos do programa são definidos pelo CGDE – um grupo formado por representantes da sociedade civil e de instituições públicas, com atuação voluntária.
As ações são operacionalizadas pelo UNOPS, e os R$ 150 milhões serão aplicados ao longo de quatro anos, por meio da implementação de projetos realizados por organizações da sociedade civil, visando à reparação de danos morais coletivos.
