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Relatos de um estupro: Como enfrentar a dor e seguir depois do ato

Cinco anos depois o caso continua sem solução; nome, idade e profissão da entrevistada são fictícios para preservar identidade da vítima

Por Esther Barros, estagiária sob supervisão 08/03/2022 14h02 - Atualizado em 08/03/2022 15h03
Relatos de um estupro: Como enfrentar a dor e seguir depois do ato
Violência sexual - Foto: Reprodução

Nesta terça-feira,(08), foi antecipada em razão do Dia das mulheres a divulgação de um estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e publicado no Anuário Brasileiro de 2022, onde Alagoas aparece como o terceiro Estado onde mais cresceram os casos de estupros de mulheres em 2021. A taxa subiu de 38,3 para 47,1 crimes desta natureza por cada grupo de 100 mil habitantes.

O Jornal de Alagoas conversou com *Emanuelle Goes, alagoana de 34 anos, mestranda em Engenharia Química, que viu sua vida ser dividida por um antes e depois do abuso.

Em setembro de 2017 após um longo período em casa estudando para seu mestrado, Emanuelle resolveu sair um pouco para relaxar. O local escolhido foi um bar na "famosa" Amélia Rosa em Maceió. Até então tudo corria bem.

Emanuelle, nos conte como foi que aconteceu?

Era um dia de semana e o bar fechou cedo, o dono fechou as portas e eu fiquei só de madrugada pedindo um Uber. O carro chegou e eu entrei. Percebi que o carro estava indo pra uma direção oposta do destino, e estava indo muito longe. Ele começou a passar a mão na minha perna, fiquei com medo mas sem reação pois não tinha como sair do carro. Ele desceu do banco do motorista, entrou no banco traseiro e me estuprou lá. Roubou meu celular e cartão de crédito e me deixou largada na rua.

Depois que ele deixou você na rua o que você fez?

Já nesse ponto eu estava com um cheiro muito forte de álcool e urina por conta do abafado do carro. Fiquei sentada no chão, pois estava sentindo muita dor. Foi quando a polícia apareceu. Tive uma conversa bastante desconexa, mas eles perceberam o que tinha ocorrido e, mesmo tendo “apagado” (não dormi, só tive um lapso), concordei em ir para a maternidade do Santa Mônica.

Quais forma os procedimentos adotados pela maternidade?

Pela lei do minuto seguinte, criada pela Dilma, tive acesso ao primeiro atendimento lá: tomei injeções para a dor no corpo, os medicamentos pra DSTs e a pílula do dia seguinte. Eu estava menstruada, mas ainda assim foi necessário a pílula pois eu poderia engravidar de qualquer maneira. Uma psicóloga ficou comigo e me ajudou com um celular, onde pude entrar em contato com a minha família e pedir pra alguém ir me buscar e comprar alguns medicamentos que não tinha disponível na maternidade. Não demorou muito e fui fazer o Boletim de Ocorrência na Delegacia da Mulher.

Depois do impacto inicial, como se deu seu processo de recuperação?

Me foi recomendado um psiquiatra, e a primeira medida, além de iniciar o tratamento medicamentoso, foi que eu fizesse atividades físicas numa academia. Eu estava tendo reações muito agressivas, então foi importante pra que eu retomasse um pouco de controle do meu corpo e do meu humor. Além de voltar a fazer uma atividade que eu amo: a dança. Como, no contexto, está diretamente ligada à sensualidade, encontrei uma barreira pela timidez, mas com o tempo e esforço consegui fazer uma atividade que amo. A medida seguinte, pouco tempo depois, foi iniciar a terapia.

Ao começar a terapia como você se sentiu?

Tive que descobrir quem eu era naquele turbilhão de emoções, e minha família me acompanhou em algumas sessões também. Foi extremamente doloroso pra mim, mas necessário. Comecei a ter ideações suicidas, e falei para a minha família e pedi ajuda. O apoio deles foi fundamental para que eu não concretizasse o fato, nem desistisse do meu tratamento.

Quase cinco anos se passaram e como você está?

Ainda sigo em tratamento com psiquiatra e psicóloga, e só recentemente tive uma redução da minha medicação, voltei a estudar pra me especializar na área em que me formei e estou à procura de emprego. Ainda sinto medo de sair na rua e ser reconhecida, mas aos poucos estou retomando minha vida. Também tenho dificuldade em me relacionar com homens, pois existe a vulnerabilidade, e eu teria que me abrir completamente para explicar o que aconteceu sem ser revitimizada.

Qual mensagem você gostaria de passar para as mulheres que assim como vc sofreram abuso sexual?

Tenho tenho acesso aos melhores profissionais de Maceió, e só quase 5 anos depois comecei a retomar a minha vida... E acredito que pra muitas sobreviventes de estupro, a dificuldade de falar sobre o assunto acaba em tratamentos que não são eficazes, então eu sei que cada caso é um caso, mas é necessário começar de algum lugar.

Existe vida apesar de tudo. É importante lembrarmos das conquistas diárias, que a pessoa que nos violentou jamais poderá tirar. É difícil encontrar forças, mas com amor e acolhimento ficaremos próximas de quem deseja nossa autonomia e bem-estar. Procure ajuda!

* O CASO CONTINUA SEM SOLUÇÃO
*Nome e profissão fictícios para preservar a integridade da vítima