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Afundamento de bairros completa quatro anos: "perdas são irreparáveis"

Jornal de Alagoas entrevista pesquisador e vítima para falar sobre o aniversário da tragédia

Por Natália Brasileiro, estagiária sob supervisão 03/03/2022 14h02 - Atualizado em 04/03/2022 11h11
Afundamento de bairros completa quatro anos: 'perdas são irreparáveis'
Imagem do Projeto Ruptura - Foto: Projeto Ruptura/Jorge Vieira

A data 3 de março pode passar despercebida para muitos, mas estará para sempre marcada na vida de muitos maceioenses. Há quatro anos acontecia o primeiro tremor de terra em Maceió, sentido por moradores de diversos bairros da capital, que teve magnitude preliminar estimada em 2,5 pontos na escala Richter.

O evento foi registrado em vídeos que foram altamente compartilhados nas redes sociais, em alguns deles era possível ver os efeitos imediatos do fenômeno, com rachaduras em casas e no solo. O que até então era só um caso curioso logo virou uma dor de cabeça que perdura até os dias de hoje.

Casas abandonadas, bairros isolados. Todos conhecemos alguém que foi pessoalmente afetado pelo desastre ambiental causado pela Braskem, mineradora de extração de sal-gema que por muitos anos atuou e segue atuando no Estado.

Em fevereiro de 2018, após diversos temporais, moradores do Pinheiro começaram a relatar o aparecimento de fissuras em casas, prédios e no chão. Os danos se intensificaram após o “terremoto”, o que fez com que diversos moradores daquele bairro e de regiões vizinhas precisassem deixar seus imóveis, tendo que começar suas vidas em outro lugar.

Segundo o pesquisador, ex-professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e engenheiro civil especialista em geotécnica e geologia, Abel Galindo, não foi difícil ligar a Braskem aos acontecimentos, pois muitos sinais apontavam o trabalho como principal causa do afundamento do solo.

De acordo com Galindo, quando há subsidência, ou seja, afundamento, é muito comum que o fator causador seja a existência de cavernas abaixo do solo. O conhecimento geológico da área logo apontou para a existência de cavernas de mineração na região, causadas pela extração de sal-gema, que hoje sabemos ser a real causa dos tremores.

“O primeiro sinal da subsidência são as casas racharem, prédio rachar, fissuras no solo... muito antes de acontecer o tremor eu já sabia que era a extração de sal-gema ali embaixo ou devido ao excesso de água utilizado para essa extração. Foi assim que se iniciou o processo de ligar a Braskem ao afundamento”, relatou.

Quatro anos se passaram, e os danos sociais e ambientais ainda podem ser sentidos, principalmente pelos antigos residentes do local. É o caso de Neirevane Nunes, bióloga e ex-moradora do Bebedouro, que conta que ao longo desse tempo a Braskem nada fez para ajudá-los efetivamente.

“Temos até então um acordo injusto que foi firmado entre a Braskem e a Força Tarefa que favorece mais a mineradora do que as suas vítimas, deixando a Braskem a vontade pra agir como lhe é conveniente. Nós deixamos nossas casas sem saber quando vamos receber ou quanto vamos receber”, contou.

Segundo ela, a mineradora não apresenta nenhum laudo técnico ao proprietário, mas apenas um documento de valoração do imóvel, que de acordo com Neire, vem repleto de erros com propostas de indenização que tem deixado a população indignada, pois apresentam valores irrisórios e na sua maioria não chega a metade do valor da propriedade.

A bióloga, que também é membro do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, afirma que ainda existem muitos moradores nas regiões de risco, como as comunidades dos Flexais, Quebradas, Marquês de Abrantes e Vila Saem vivem hoje ilhadas dentro de Maceió. As áreas não são consideradas de risco geológico, mas segundo Neire, são bastante afetadas pelo “ilhamento social”, causado pelo abandono dos bairros vizinhos e pela evacuação de moradores da área.

“Mesmo com todas as evidências, como as rachaduras nas casas, essas áreas ainda não foram reconhecidas como área de risco e o acordo deixou de considerar várias outras questões sociais e econômicas que deixaria a vida nessas áreas insustentável. Precisamos ir além da discussão de risco e tratar sobre a reparação integral dos danos causados a essas comunidades”, explicou.

Enquanto isso, o sentimento que fica é o de revolta e indignação: “o que estamos observando é a maior violação dos Direitos Humanos já vista no Estado de Alagoas. Somos lesados e desrespeitados de todas as formas pela Braskem. As perdas sofridas são irreparáveis, houve um empobrecimento dessa população, empresas fecharam, centenas de pessoas perderam seu emprego, sua renda”.

“Estamos falando de vidas e histórias interrompidas pela ganância e pela omissão e conivência do poder público ao longo dos mais de 40 anos de exploração da sal-gema feita de forma irresponsável pela Braskem”, finalizou.

Ainda  há riscos?

Apesar dos enormes danos causados no Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol, o pesquisador Garlindo afirma que há esperança de “reconstruir” esses locais. Quando perguntado se há chances das áreas afetadas serem recuperadas, o professor disse acreditar que sim, pois diversos processos que contribuem para a recuperação já estão sendo feitos. Além disso, a mineradora parou a extração na região, o que fez com que a área já esteja se estabilizando.

“Algumas minas estão sendo preenchidas com areia, finalmente estão tapando os buracos lá embaixo. Algumas áreas nem sequer precisam disso, estão estáveis e em processo de pressurização para que não se expanda mais. Segundo os relatórios que eu tenho, a parte alta do Pinheiro já está aos poucos estabilizando. Áreas mais atingidas lá “embaixo” podem levar não menos que 10 anos, mas a área do Pinheiro, por exemplo, acredito que em 2 ou 3 anos já poderá ser construída”, disse otimista.

Quanto às eventuais fake news acerca de novos afundamentos, Garlindo conta que não há muita probabilidade de que possam acontecer.

“A área que poderia ter algo seria no máximo aquela a um quilômetro de raio da área já afetada. Usando como exemplo o campo do CSA você traça um raio de 1.200 metros e tem a área afetada. Fora disso não tem a possibilidade de novas áreas”, afirmou, ressaltando mais uma vez que alguns bairros já se estabilizam, como o Pinheiro e o Bebedouro.

CPI da Braskem


No último mês, foi criada uma petição com o intuito de montar uma CPI para investigar de forma minuciosa o crime ambiental. O assunto vem sendo altamente debatido na Assembleia Legislativa de Alagoas, sendo apoiado por parlamentares como Galba Novaes.

“Como é que se faz acordo entre os ministérios públicos e a Braskem sem a participação do Estado e do município de Maceió? Sem a participação da sociedade civil, principalmente daqueles que foram afetados por esse crime, tido como um dos maiores desastres ambientais da história do mundo?”, questionou.