Cooperativismo

Filé de Alagoas: artesãs de Barra Nova transformam o bordado em mapa vivo do território

Criada no LAB Artesol, a coleção “Cartografias do Invisível” ressignifica o filé alagoano a partir das memórias ambientais das lagoas Mundaú e Manguaba

Por Assessoria 09/12/2025 16h04 - Atualizado em 09/12/2025 17h05
Filé de Alagoas: artesãs de Barra Nova transformam o bordado em mapa vivo do território
Artesãs de Barra Nova criaram peças para coleção utilizando o Filé - Foto: Woulthamberg

Barra Nova, distrito de Marechal Deodoro (AL), sempre manteve uma relação íntima com suas águas. Entre lagunas, manguezais e maré, a comunidade molda seu cotidiano acompanhando o ritmo do território — que, ao longo dos anos, também tem passado por mudanças que alteram sua paisagem e suas dinâmicas locais. 

É nesse cenário que a Cooperarteban e o Laboratório de Inovação Artesanal da Rede Artesol (LAB 2025) lançam a coleção “Cartografias do Invisível”, na qual o bordado filé se torna linguagem para registrar as transformações percebidas no ambiente e na cultura da região.

A coleção nasce de uma imersão na rotina da comunidade e na observação das mudanças ambientais das lagoas Mundaú e Manguaba. “O filé sempre contou histórias — do mar, do tempo, das mulheres. Em ‘Cartografias do Invisível’, nosso ponto de partida foi justamente o que desapareceu: mangues soterrados, espécies que rarearam, cores que mudaram. As peças traduzem esse olhar, como se o bordado pudesse reconstruir aquilo que a paisagem já não abriga”, explica Olivia Silveira, designer que trabalhou com a cooperativa.

Foto: Woulthamberg

O desenvolvimento da coleção foi viabilizado pelo LAB Artesol, iniciativa da ONG Artesol que integra formação técnica, pesquisa, design colaborativo e inclusão produtiva como uma tecnologia social voltada ao fortalecimento de comunidades tradicionais. A proposta costura saberes intergeracionais e práticas sustentáveis, criando um ambiente onde experimentação, memória e autonomia caminham juntas — e onde o artesanato se afirma como ferramenta de renda, identidade e impacto social.

“Quando falamos em tecnologia social, falamos sobre processos que nascem da escuta e se constroem junto com o território”, afirma Sônia Quintela, presidente da Artesol. “O LAB não impõe um novo fazer; ele cria condições para que técnicas ancestrais ampliem suas narrativas, dialoguem com desafios atuais e revelem seu potencial cultural e econômico. Em Barra Nova, isso significou transformar ausências ambientais em linguagem, e fazer do filé um instrumento de consciência, pertencimento e futuro”, completa.

A partir dessa metodologia, a coleção apresenta peças que reinterpretam o filé como mapa e memória. O ponto Marisquinho, criado especialmente para a série, aparece ora em marrom — cor original do sururu —, ora em branco, simbolizando a mudança provocada pela salinização. O Colete Siriba e o Top Manguezal homenageiam uma vegetação que quase desapareceu da orla. Já o Kaftan Mundaú e o Colete Manguaba resgatam os nomes originários das lagunas, apagados durante a colonização e preservados pelas mulheres que bordam.

Essa leitura coletiva do território também transformou o olhar das artesãs sobre o próprio trabalho. “Participar do processo produtivo foi fantástico, pois partiu de uma construção coletiva fundamentada através do que temos e do que somos. A participação da Olivia foi fundamental para ampliar nossos horizontes e nos ensinar o quanto podemos desenvolver e construir novos produtos a partir do que está em nosso cotidiano e não conseguimos enxergar”, afirma Benedita Silva, artesã da Cooperartban.

Foto: Woulthamberg

Em “Cartografias do Invisível”, o filé se torna gesto poético e político: borda vazios, registra ausências e reafirma a força das mulheres que costuram futuro enquanto protegem o que ainda resta das águas, das cores e das memórias de Barra Nova. 

No dia 13 de dezembro, as peças serão apresentadas em uma mostra no Museu A Casa do Objeto Brasileiro, em Pinheiros, São Paulo, referência em projetos e exposições de artesanato e design.

Rede Artesol: Um movimento nacional pelo artesanato


O trabalho desenvolvido em Alagoas integra um movimento nacional de valorização do artesanato de tradição cultural promovido pela Artesol. Ao longo de 2025, a organização esteve presente em 25 estados e 539 municípios, capacitou 290 artesãos em campo e acompanhou três grupos no Laboratório de Inovação Artesanal - LAB, que impactou diretamente 85 artesãos e resultou na criação de 38 novos produtos, fortalecendo renda, autonomia feminina, inovação e sustentabilidade cultural.

A Artesol

A Artesol é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua há mais de 25 anos para fortalecer o artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio da Rede Artesol — maior plataforma digital de mapeamento e articulação de artesãos do país —, promove capacitação, inclusão digital e acesso a mercados, valorizando o fazer manual como instrumento de desenvolvimento social, cultural e ambiental sustentável.

Foto: Woulthamberg