Cooperativismo
Cooperativas impulsionam desenvolvimento da distribuição de renda nacional
A queda da desigualdade revela avanços importantes, mas também expõe a necessidade de consolidar modelos que ampliem acesso e criem trajetórias reais de geração de renda
A desigualdade de renda no Brasil voltou a cair em 2024 e atingiu o menor nível da série histórica, segundo a Síntese de Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE. O Índice de Gini recuou de 0,517 para 0,504, após um ano de estabilidade, reforçando o impacto de programas sociais e do maior dinamismo do mercado de trabalho. O movimento ocorreu em um cenário no qual os 10% mais pobres tiveram aumento real de 13,2% na renda, enquanto os grupos de maior renda cresceram menos, com alta de 1,6% entre os 10% do topo da pirâmide.
O levantamento também mostra que a razão entre a renda dos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres caiu de 3,6 para 3,3 vezes, sinal de maior aproximação entre as extremidades da distribuição de renda. Sem os programas sociais, o Gini seria 7,5% maior, o que evidencia o papel das políticas públicas no avanço recente. A renda do trabalho, por sua vez, cresceu 3,7% no ano, com efeito mais significativo sobre os segmentos historicamente vulneráveis.
Neste cenário de avanço distributivo e melhora no rendimento dos mais pobres, cresce o debate sobre meios capazes de transformar a lógica dinâmica em um processo contínuo de inclusão econômica. A queda da desigualdade revela avanços importantes, mas também expõe a necessidade de consolidar modelos que ampliem acesso e criem trajetórias reais de geração de renda.
E é nesse ponto que o cooperativismo ganha destaque. O movimento cooperativo tem oferece caminhos de inclusão, ampliação de renda e qualificação profissional em diferentes territórios do Brasil. Com isso, as cooperativas têm aproximado oportunidades de que grupos historicamente ficaram à margem do desenvolvimento.
Educação e inclusão produtiva
A relação entre educação e redução da desigualdade aparece com nitidez nos dados do IBGE, sobretudo quando se observa o salto de renda dos grupos mais pobres. A melhoria do mercado de trabalho e o acesso ampliado a políticas sociais impulsionaram famílias excluídas. No cooperativismo, essa lógica se fortalece quando iniciativas educacionais estruturam a base produtiva e consolidam trajetórias de autonomia.
Como exemplo, a iniciativa Ser Mais, Ser Juntos, idealizada pela Fepacoore e voltado à escolarização formal de catadores e catadoras de materiais recicláveis, oferece vagas gratuitas na EJA, acesso digital, alimentação, transporte e acompanhamento pedagógico, o que garante que trabalhadores em situação de vulnerabilidade concluam o Ensino Fundamental ou Médio.
A certificação pelo SESI/SENAI reforça o caráter transformador da ação e ainda amplia as condições de empregabilidade dentro e fora das cooperativas.
Contudo, o impacto do programa vai além da formação acadêmica. O fortalecimento de competências e o oferecimento a suporte psicológico também criam condições para que cooperados desenvolvam autoestima, autonomia e estabilidade financeira.
Esse movimento exemplifica como o setor cooperativo estrutura avanços de longo prazo e multiplica oportunidades. Nesse e em muitos outros casos presentes no segmento, a educação, integrada ao modelo cooperativo, organiza caminhos para que trabalhadores assumam novos papéis dentro de suas cooperativas e de suas regiões.
Renda e trabalho digno
Se a educação abre portas, o mercado de trabalho cooperativo consolida essas conquistas de forma prática. Dados da Funape/UFG mostram que, em Goiás, cooperados empreendedores ganham quase o dobro de trabalhadores autônomos não cooperativados. Em 2023, a renda média dos cooperados chegou a R$ 8,7 mil, enquanto os demais autônomos registraram R$ 3,9 mil no mesmo período, diferença que reforça a relevância econômica do modelo.
Além da renda mais alta, as cooperativas apresentam menor rotatividade e maior estabilidade profissional. Em Goiás, a taxa de saída anual é de 34,9, ante 51,6 nas demais empresas do estado. Essa diferença, além de garantir segurança financeira, reduz vulnerabilidades associadas à informalidade, uma das principais características da desigualdade no país.
O setor também amplia oportunidades para públicos historicamente excluídos, como mulheres e pessoas com deficiência. Em 2024, as cooperativas goianas registraram participação feminina de 52,5% e ampliaram a inserção de PCDs para 3,5%, índice superior ao de outras empresas.
Em estados como o Ceará, o movimento cooperativista demonstra como a estabilidade econômica pode se transformar em desenvolvimento territorial. O avanço de cooperativas em regiões vulneráveis vem fortalecendo negócios locais e ampliando as redes de proteção econômica.
Victor Rios, gerente-geral da OCB/GO, defende que defende que o fortalecimento das cooperativas amplia a capacidade produtiva dos territórios e cria ambientes mais estáveis para geração de renda. Para ele, a integração entre diferentes ramos e regiões é o que sustenta a competitividade do setor. “Quando cooperativas se unem, o potencial de crescimento se multiplica”, afirma.
Liderança feminina
A redução das desigualdades passa também necessariamente pela ampliação do protagonismo feminino. Em diversas regiões do país, mulheres encontram no cooperativismo um espaço seguro para gerar renda e ocupar posições de liderança.
No Pernambuco, essa transformação aparece de forma contundente. Na Coopave, diretoras como Valdejane da Silva conduzem negócios, ampliam produção e fortalecem cadeias produtivas inteiras, apesar da resistência inicial em ambientes dominados por homens. Na Coopasa, a presidente Maria Risonete Sampaio rompeu barreiras culturais, assumiu posições decisórias e impulsionou o crescimento de uma cadeia de hortaliças em uma região que historicamente restringia a participação feminina na gestão.
Esse movimento dialoga com iniciativas nacionais, como o Elas Pelo Coop, e ainda com inciativas internacionais, como o Projeto Eliza, lançado pelo Conselho Empresarial de Cooperativas e Mutualidades da Austrália. Esses programas reforçam o valor da participação feminina no desenvolvimento gerencial e econômico.
Para Juscileide Vieira, coordenadora da Comissão de Mulheres da OCB/PE, o crescimento da participação feminina nas cooperativas reflete um processo de conscientização e fortalecimento das bases. A gestora ainda acrescenta que iniciativas de formação e acesso a cargos decisórios têm ampliado a autonomia das cooperadas e criado um ambiente mais equilibrado dentro das organizações. “Quando uma mulher conquista sua independência financeira, transforma não apenas a própria vida, mas também o ambiente ao seu redor”, diz.
Cooperativismo como ferramenta de preservação cultural
Em comunidades quilombolas, onde a distância econômica, social e geográfica limita o acesso a mercados e políticas públicas, o cooperativismo se converte em uma alternativa concreta para preservar cultura, ampliar renda e garantir permanência no território.
No Espírito Santo, quilombolas de São Pedro estruturam uma cooperativa para ampliar comercialização, organizar produção e estimular a permanência dos jovens na comunidade. O projeto surgiu da experiência bem-sucedida da Padaria Quilombola, liderada por mulheres locais, e hoje mobiliza agricultores, artesãs e produtores da região em busca de autonomia econômica.
No Maranhão, por exemplo, a criação da Cooperativa de Trabalho Sabor e Arte Quilombola formalizou anos de produção artesanal e gastronômica no Quilombo Boa Vista. Com apoio do Sebrae e de instituições locais, o grupo conquistou CNPJ próprio e passou a acessar linhas de crédito e editais antes inacessíveis.
Esses exemplos mostram que o cooperativismo responde às desigualdades estruturais com alternativas que integram identidade e organização comunitária. Ao fortalecer iniciativas locais, a cooperativa se torna ponte entre tradição e futuro. Em territórios vulneráveis, essa combinação redefine oportunidades e cria novos horizontes de desenvolvimento.

