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O que significa o “espaço da sobremesa” no nosso corpo

Especialista explica porquê nunca recusamos um docinho pós-refeição

Por Redação com BBC* 29/12/2025 16h04 - Atualizado em 29/12/2025 17h05
O que significa o “espaço da sobremesa” no nosso corpo
Japoneses possuem uma palavra própria para essa sensação. - Foto: Reprodução / Guia da Semana

Quem nunca comeu até ficar satisfeito, mas mudou de ideia após ver a sobremesa? Não importa o quanto estejamos cheios, sempre parece haver o espaço do doce pós-refeição.

Acontece que esse fenômeno tão comum tem explicação científica e até uma palavra só para descrevê-lo em japonês: betsubara, que significa “estômago separado”.

Anatomicamente falando, não existe realmente um espaço extra para o doce após a refeição no nosso corpo, mas o sentimento reflete uma série de processos fisiológicos e psicológicos que, juntos, tornam a sobremesa mais atraente, mesmo depois de satisfeitos.

É o que explica a professora de anatomia da Universidade de Bristol, Michelle Spear. Em seu artigo “Why there’s always room for dessert – an anatomist explains” [Por que sempre tem espaço para sobremesa, anatomista explica], publicado no site “The Conversation”. As etapas do processo são:

Estômago


Tudo começa por um dos órgãos principais do sistema digestivo: o estômago. Projetado para se expandir e adaptar, passa por um processo de “adaptação gástrica” ao começarmos a comer. A musculatura lisa relaxa, criando capacidade extra sem muito aumento de pressão.

Alimentos doces, em geral, exigem muito pouca digestão mecânica. Por isso, um prato principal pode fazer o estômago parecer distendido, mas uma sobremesa leve, como sorvete ou um mousse, mal exige esforço do estômago, permitindo que ele relaxe e crie mais espaço.

Fome hedônica


Outro fator que contribui para a sensação de mais espaço reside na nossa cabeça, especialmente das vias neurais envolvidas na recompensa e no prazer.

É a chamada “fome hedônica”, o desejo de comer algo que é prazeroso e reconfortante. Alimentos doces são considerados especialmente potentes neste aspecto, ativando a liberação de dopamina - o hormônio do prazer - no corpo e enfraquecendo temporariamente os sinais de saciedade.

A antecipação de uma guloseima cria o desejo separado de continuar comendo, impulsionado pela sensação de recompensa.

Saciedade sensorial específica


À medida que comemos, a resposta do nosso cérebro aos sabores e texturas no prato diminui gradualmente, tornando a comida menos interessante. No caso da sobremesa, que introduz um perfil de sabor diferente, a sensação de recompensa é renovada.

O comportamento das sobremesas no estômago também influencia. Comparados com alimentos ricos em proteínas e gorduras, os alimentos açucarados e a base de carboidratos são de fácil digestão inicial, o que contribui para a sensação de que podem ser consumidos mesmo quando se está satisfeito.

Momento de ingestão


A sinalização entre o intestino e o cérebro que cria a sensação de saciedade não responde instantaneamente. Ela depende de hormônios como a colecistoquinina, o GLP-1 e o peptídeo YY, que aumentam gradualmente e normalmente levam de 20 a 40 minutos para produzir uma sensação sustentada de saciedade.

Muitas pessoas consomem a sobremesa antes desse intervalo de tempo, abrindo espaço para o sistema de recompensa mais uma vez assumir o controle do comportamento. Restaurantes, inclusive, utilizam desse fator para ofertar as guloseimas do cardápio.

Condicionamento social


As sobremesas também são associadas a momentos de celebração, generosidade ou conforto. Desde a infância, somos condicionados a fazer esta relação entre guloseimas e datas especiais, como acontece durante as comemorações de fim de ano (Natal e Ano Novo).

Estes sinais culturais e emocionais podem desencadear prazer antecipado antes mesmo da comida chegar. O artigo “The social facilitation of eating: why does the mere presence of others cause an increase in energy intake? [A facilitação social da alimentação: por que a mera presença de outras pessoas causa um aumento na ingestão de energia?]” mostra que as pessoas comem mais em ambientes sociais, quando a comida é oferecida livremente ou em ocasiões especiais – todas situações em que a sobremesa normalmente está presente.

Por isso, o “espaço para sobremesa” pode ser considerado algo normal e até elegante do corpo humano. Pode aceitar a guloseima pós-refeição sem medo, mesmo depois de achar que está satisfeito.

*Com informações da BBC News Brasil