Ciência, tecnologia e inovação

Mapeamento inédito revela extensão de área livre de gelo na Antártica

Estudo brasileiro mensura pela primeira vez zonas sem gelo e cobertura vegetal no continente gelado

Por Redação com Agência Brasil 01/12/2025 18h06
Mapeamento inédito revela extensão de área livre de gelo na Antártica
Considerada uma reserva natural internacional dedicada a fins científicos, essa é primeira vez que as áreas livres de gelo e coberturas verdes da Antártica são mensuradas - Foto: Ana Nascimento/Agência Brasil

Um mapeamento inédito desenvolvido por uma iniciativa científica brasileira revelou que menos de 1% do território da Antártica está livre de gelo. Ao todo, são 2,4 milhões de hectares descobertos, dos quais apenas 107 mil apresentam cobertura vegetal durante o verão austral, segundo o estudo MapBiomas Antártica. É a primeira vez que essas áreas e suas coberturas verdes são mensuradas no continente, considerado uma reserva natural internacional destinada exclusivamente à pesquisa científica.

A análise foi possível graças a imagens de satélites combinadas com algoritmos de machine learning e processamento em nuvem. O grande volume de dados exigiu tecnologia avançada para identificar a extensão das áreas sem gelo e avaliar a saúde da vegetação local.

De acordo com a pesquisadora Eliana Fonseca, coordenadora do mapeamento, compreender a dinâmica natural da Antártica é crucial para avaliar os efeitos das mudanças climáticas e seus impactos globais. “O mapa de áreas livres de gelo é essencial para o monitoramento da fauna, pois os ninhos e o nascimento dos filhotes ocorrem nessas áreas durante o verão. Já o mapa de vegetação fornece informações essenciais para avaliar a produtividade dos ecossistemas”, explica.

O estudo usou indicadores de sensoriamento remoto para observar a saúde e a densidade da vegetação. No verão, musgos, algas terrestres e gramíneas se desenvolvem nas áreas expostas, enquanto líquens ocupam superfícies rochosas tanto nas regiões costeiras quanto no interior do continente.

A pesquisa também identificou semelhanças entre a vegetação antártica e formações encontradas no Brasil. Liquens, musgos e algas terrestres — conhecidos como crostas biológicas — aparecem em biomas como Pampa e Caatinga, onde ajudam a proteger o solo em ambientes de baixa disponibilidade de recursos. Já as gramíneas, espécies pioneiras, estão presentes em todos os biomas brasileiros.

A Antártica exerce influência direta no clima do Hemisfério Sul e é considerada o “berço” das frentes frias. Segundo Fonseca, o contraste entre o ar frio e seco do continente gelado e o ar quente e úmido formado sobre o Brasil afeta diretamente o regime de chuvas. “Frentes frias muito intensas podem diminuir as temperaturas não só na Região Sul, mas também nos estados do Centro-Oeste e Norte”, afirma.

O avanço científico só foi possível após os satélites Sentinel-2 serem posicionados na órbita polar, permitindo a captação de imagens de alta resolução. As análises consideraram registros obtidos entre 2017 e 2025, período em que é possível visualizar áreas sem gelo devido à maior incidência solar no verão austral — entre dezembro e março. Nesse período ocorre também o fenômeno do “sol da meia-noite”, quando o sol permanece no horizonte por longos períodos, criando sombras intensas projetadas pelas montanhas do continente.

A limitação de observação restrita ao verão impede o registro completo da dinâmica anual, mas isso deve ser superado com a continuidade das pesquisas. “Esta é a primeira versão do mapeamento, e as próximas coleções devem envolver mais cientistas e grupos de pesquisa da Antártica, agregando novas variáveis e aprimorando a identificação das áreas sem gelo e da vegetação”, afirma Júlia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas.

O estudo reforça a importância da Antártica para o equilíbrio climático global e abre caminho para novas análises sobre os impactos das mudanças ambientais no continente mais remoto do planeta.