Agro
Após ano de crescimento, setor de leite tende a colocar o pé no freio em 2026
Com uma queda acumulada de mais de 18% em 12 meses nos preços recebidos pela matéria-prima, pecuaristas devem segurar avanço na produção
Após um ano de oscilações, com um primeiro semestre promissor seguido de uma queda de preços ao produtor nos últimos meses, o setor de leite vai iniciar 2026 com a perspectiva de maior estabilidade. Com uma retração acumulada de 18,1% no preços em doze meses até outubro, analistas e fontes do setor avaliam que a produção de leite deve perder força num cenário de demanda firme. Isso levará a um novo ciclo de alta nos preços ao produtor — desta vez menos intenso.
“O setor produtivo deve iniciar o ano num clima de mais cautela e margens mais limitadas. Os preços [ao produtor] estão nos valores mais baixos desde 2021, o que deve causar uma contenção nos investimentos”, afirma Natália Grigol, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
Segundo ela, a expectativa de crescimento do PIB por volta de 2% no próximo ano sugere um consumo interno mais moderado, enquanto o calendário eleitoral dá maior instabilidade ao cenário macroeconômico. Assim, a previsão do Cepea é que a captação industrial de leite no país cresça de 2% a 2,5% após ter aumentado quase 7% em 2025.
Juliana Pila, analista da Scot Consultoria, observa que em 2025, os insumos estavam mais baratos, principalmente o milho, o que estimulou o investimento em nutrição do rebanho e levou ao aumento da produção de leite.
Para 2026, ela afirma, o cenário é o oposto. O setor iniciará o ano amargando a queda de preços e, por isso, tirando o pé do acelerador. “Em 2025, o ano começou com uma remuneração bastante positiva ao produtor e 2026 começa com o produtor com as margens um pouco mais achatadas”.
Na visão do presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges, a situação este ano é mais grave se considerados os investimentos feitos pelos produtores em 2024, quando o cenário era favorável. “A gente vê produtores, inclusive pessoas mais simples dizendo que estão vendendo o almoço para comprar o jantar. Aqueles que fizeram investimentos e financiamentos não estão conseguindo arcar com seus compromissos”, afirma.
Apesar desse cenário, analistas evitam falar em crise no setor — que atualmente pleiteia medidas para conter as importações de lácteos e, assim, diminuir pressão da oferta sobre os preços. “Conceitualmente um setor em crise não cresce 7%. Temos problemas sérios de fluxo de informação ao longo da cadeia produtiva, mas acho que não é exatamente uma crise”, afirma Valter Galan, sócio da Milkpoint. Ele destaca que a falta de rentabilidade é um problema estrutural da cadeia, que de tempos em tempos passa por um processo de concentração.
“Estamos num momento duro porque a gente está crescendo 7% na produção enquanto a demanda está crescendo 2%. Então a conta não fecha, está sobrando leite com uma demanda que não está respondendo à altura”, avalia Galan.
Enquanto aguarda uma medida antidumping em nível federal contra as importações de lácteos da Argentina e do Uruguai, o setor tem obtido respostas locais. Santa Catarina e Goiás, por exemplo, proibiram a reconstituição de leite em pó importado para comercialização como leite fluido.
“Com certeza, restringir as importações ajuda um pouco, mas não vai resolver totalmente o problema. A gente tem uma produção que cresce bastante, e o desequilíbrio do lado da demanda traz um problema sério”, ressalta Galan.
Embora as importações incomodem o setor, a maior produção interna já reduziu os volume de lácteos adquiridos no exterior. A queda acumulada em doze meses até novembro é de 13,2%, segundo o Centro de Inteligência do Leite da Embrapa (CILeite). Apesar da desaceleração, Grigol, do Cepea, lembra que as importações já representam cerca de 10% da produção nacional, o dobro do que eram há três anos.
Na avaliação do presidente da Abraleite, a queda nas importações também é pequena quando comparada ao crescimento acumulado nos últimos anos. “Ainda está muito longe de se resolver o problema. Precisava ter um uma queda drástica nas importações, de no mínimo 50%, e ainda assim o volume estaria muito acima da média histórica”, afirma.
Ciente das limitações das medidas antidumping para conter a sobreoferta de leite no mercado nacional, Borges afirma que a Abraleite também pediu ao governo federal medidas estruturantes para tornar o setor mais competitivo. “Temos o exemplo de várias cadeias grandes exportadoras, e o leite precisa entrar nesse grupo de cadeias autossuficientes, que produzem aquilo que o país precisa, mas que também exportam excedentes trazendo divisas para o Brasil”, completa.


