Agro

Representantes do agro pedem revisão de diretrizes do Plano Clima

Entidades e parlamentares ruralistas veem desequilíbrio em dados sobre desmatamento

Por Globo Rural 18/08/2025 09h09 - Atualizado em 18/08/2025 09h09
Representantes do agro pedem revisão de diretrizes do Plano Clima
Bruno Lucchi, da CNA: proposta passa “mensagem errada sobre o agronegócio” ao restante do mundo - Foto: Wenderson Araujo/CNA

Entidades de representação do agronegócio e parlamentares ligados ao setor querem mudanças no Plano Clima, iniciativa que reúne dados sobre o impacto de cada segmento da economia nas mudanças climáticas e orienta a formulação de políticas públicas necessárias para o país cumprir suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. Bancada ruralista e entidades avaliam que o texto original do plano, apresentado pelo Executivo, pode prejudicar a imagem e a competitividade do agro brasileiro no exterior e têm cobrado uma postura mais firme do Ministério da Agricultura para reverter trechos do texto.

A principal crítica é ao ponto que vincula a maior parte dos efeitos do desmatamento ilegal aos produtores e faz com que o setor passe de segundo para primeiro principal emissor de gases poluentes no país, responsável por mais de 70% das emissões. Ambientalistas concordam com o número e apontam que o agronegócio precisa fazer seu “dever de casa”.

Na avaliação de entidades e parlamentares, o Plano Clima penaliza o agronegócio, não considera avanços sustentáveis no campo e deixa o setor injustamente exposto a críticas de países concorrentes, como os Estados Unidos e os membros da União Europeia, que já associam o aumento da produção brasileira ao desmatamento e têm aplicado novas barreiras comerciais contra os produtos nacionais.

Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), diz que a proposta passa uma “mensagem errada sobre o agronegócio” ao restante do mundo — e justamente em um ano-chave para o Brasil, que vai realizar a COP30. A conferência ocorrerá em novembro, em Belém.

Um dos maiores receios dos representantes do setor é que as informações integrem um documento oficial do governo federal e, com isso, virem combustível para os concorrentes no comércio internacional. “A partir do momento em que colocam o agro como o principal responsável por emissões, entregam o agro de bandeja para os opositores falarem mal do setor”, afirmou Lucchi em reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na semana passada.

Segundo ele, a medida pode prejudicar o Brasil ao servir como argumento para o país receber classificação de alto risco na Lei Antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês). Ela também pode servir aos EUA como justificativa para o tarifaço e para reforçar o lobby contra a ratificação do acordo Mercosul-UE.

Para o diretor técnico da CNA, faltou transparência na elaboração da proposta. “A discussão não é técnica. Tem parte do governo que quer travar o setor”, disse. Segundo ele, como o Executivo não consegue alterar o Código Florestal, tenta criar formas de barrar avanços da agropecuária por meio de mecanismos, como o Plano Clima.

Consulta pública

A proposta ficará em consulta pública até esta segunda-feira (18/8). O texto exige que a agropecuária reduza em 36% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e em 54% até 2035. Representantes do setor reclamam, no entanto, de carga desproporcional de obrigações e responsabilidades sobre os produtores para cumprimento das metas nacionais.

Segundo essas avaliações, o plano coloca na conta do setor a maior parte das emissões de gases oriundas de desmatamentos e aponta o agro como maior responsável pelas mudanças climáticas mesmo quando parte do desmate não está diretamente ligado à produção agropecuária.

O plano vincula ao setor a emissão de 813 milhões de toneladas de CO2 de desmatamentos, enquanto as emissões da produção agropecuária propriamente dita somam 643 milhões de toneladas. Já o plano setorial de conservação da natureza, que concentra as responsabilidades do poder público, considera 356 milhões de toneladas de CO2.

“Com isso, 55% da conta atribuída ao setor não são emissões da produção, mas sim de desmatamento”, afirma Leonardo Papp, consultor jurídico da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e coordenador da Comissão de Meio Ambiente do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), ligado à bancada ruralista.

O setor agropecuário defende a separação entre as emissões por desmatamento e as decorrentes da produção. “Desmatamento ilegal é crime, uma responsabilidade do Poder Público. Não tem sentido colocar na conta do setor a incapacidade ou a falta de prioridade dos poderes públicos”, disse o agropecuarista Pedro de Camargo Neto, uma das principais lideranças do segmento nos debates ambientais.

Ativos ambientais


A conta do agro no plano inclui também desmates que ocorrem em assentamentos da reforma agrária e em comunidades tradicionais, glebas públicas não destinadas e unidades de conservação. O setor reclama que o texto não reconhece a captura de carbono em propriedades privadas por meio de ativos ambientais das fazendas, como as áreas de preservação permanente e as reservas legais.

As lideranças do setor argumentam que a proposta desconsidera a remoção de gases de efeito estufa decorrente da adoção de boas práticas, como plantio direto e sistemas integrados de produção, os biocombustíveis que têm produtos agropecuários como matéria-prima e o uso de bioinsumos no campo.

“Estão atribuindo ao setor emissões que não são de sua responsabilidade e impondo metas desproporcionais, enquanto deixam de contabilizar o que preservamos e sequestramos de carbono”, afirmou o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), vice-presidente da FPA.

O Ministério do Meio Ambiente disse que as metas do plano contabilizam as remoções de carbono em imóveis rurais por restauração da vegetação nativa, plantio de florestas comerciais, sistemas integrados e recuperação de pastagens. “É importante esclarecer que o Plano Setorial de Mitigação Agricultura e Pecuária contempla as emissões e remoções em áreas privadas, incluindo tanto grandes e médios produtores quanto agricultores familiares, assentamentos rurais e territórios quilombolas”, afirmou em nota ao Valor.

Base de dados


Outra crítica da bancada ruralista é em relação ao uso de bases de dados não oficiais, a exemplo do MapBiomas, e de modelos não auditáveis, como o Blues (Brazilian Land Use and Energy System), para calcular emissões atribuídas ao agro no Plano Clima.

O plano setorial impõe à agropecuária a obrigação de reduzir o desmatamento legal. O texto diz que a meta deve ser alcançada por meio de incentivos e valorização da vegetação nativa, mas não apresenta garantias de que haverá aportes financeiros para pagamentos por serviços ambientais.

Parlamentares e lideranças do agro apresentaram as preocupações ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, na terça-feira passada. Eles cobraram uma posição oficial da Pasta contra as propostas. Uma fonte disse que a área técnica do ministério é favorável ao Plano Clima original e que Fávaro não conhecia o conteúdo.

No limite, entidades e FPA querem a suspensão da consulta pública do plano, que ficou aberta por menos de 30 dias, debater com o Executivo para expor as divergências. Procurado, o Ministério da Agricultura não respondeu as perguntas enviadas pelo Valor nem ao pedido de entrevista.