Agro

Produtores de café investem no cultivo do grão com menor teor de cafeína

Busca de consumidores por novas variedades tem estimulado produção pouco convencional

Por Globo Rural 28/07/2025 11h11
Produtores de café investem no cultivo do grão com menor teor de cafeína
A Daterra é focada na produção de cafés especiais, e cultiva 2.800 hectares, sendo 11 de laurina - Foto: Arquivo pessoal

A busca de parte dos consumidores por cafés com menos cafeína tem estimulado outros produtores tradicionais a investirem nessas variedades. Um desses grupos é a Fazenda Daterra, que cultiva a variedade laurina, com 0,6% de cafeína — o arábica convencional tem 1,2% ou 1,3%.

A Daterra é focada na produção de cafés especiais, e cultiva 2.800 hectares, sendo 11 de laurina. As três fazendas do grupo estão localizadas em Patrocínio (no Cerrado Mineiro) e na região de Franca, na Alta Mogiana Paulista.

Gabriel Agrelli Moreira, diretor de produto e desenvolvimento de mercado da Daterra, diz que o laurina entrou nas fazendas do grupo no começo dos anos 2000 em uma área de pesquisa e desenvolvimento de variedades exóticas e híbridas em parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.

“O que nos atraiu foi o baixo teor de cafeína porque há uma tendência mundial de buscar café com cafeína mais baixa. Além disso, a bebida é diferenciada, delicada, floral, complexa, com acidez muito interessante. Vimos o potencial da variedade, mas levamos 14 anos para conseguir adaptar o laurina às nossas condições de solo, clima e manejo e selecionar as melhores plantas”, conta.

A variedade laurina é originária das ilhas de Reunião, no continente africano, foi introduzida no Brasil no século 19 e passou a ser estudada pelo IAC em 1932.

O primeiro café laurina da Daterra foi lançado em 2015. O microlote foi para o leilão anual da fazenda e “choveram” propostas, segundo Moreira. Em 2018, veio a coroação da variedade: o laurina da Daterra venceu o Campeonato Internacional de Baristas que foi realizado naquele ano em Belo Horizonte, na categoria de café filtrado (World Brewers Cup).

“A premiação quebrou um tabu, porque na época os concursos internacionais não valorizavam o café brasileiro. De repente, todo mundo queria comprar nosso laurina, mas a produção foi de apenas 20 sacos. O microlote do leilão foi vendido por US$ 149 a libra-peso (o equivalente a 453,6 gramas)”. Como comparação, o arábica comum é negociado atualmente na casa dos US$ 2,90 por libra-peso na bolsa de Nova York.

O diretor da Daterra acrescenta, contudo, que o café laurina é uma árvore frágil, com custo de produção muito alto, rendimento baixo e taxa de mortalidade de plantas três vezes maior que a do arábica comum. Além disso, é um café de peneira pequena, ou seja de grãos menores, o que levava o mercado a considerar, de forma equivocada, que era de baixa qualidade.

Segundo ele, o custo de produção é quatro vezes maior, e a Daterra não tem intenção de plantar o laurina em escala. A produção anual não passa de 80 sacas. A produtividade varia de 5 a 8 sacas por hectare, enquanto os outros arábicas produzem em média 35 sacas por hectare.

A fazenda exporta cerca de 80% de sua produção total para 14 países, que revendem para outros 70 países. Os principais mercados são Japão, EUA, China, Coreia do Sul, Inglaterra, Espanha, Grécia, Holanda e Bélgica.

A variedade laurina também é cultivada em uma área pequena na Fazenda Recreio, em São Sebastião da Grama (SP), que pertence à família de Diogo Dias Teixeira de Macedo desde 1890 e sempre foi focada no café. Na área total de 596 hectares, 221 são de café de 18 variedades e só 0,5 hectare tem plantio de laurina.

Macedo conta que faz testes para aumentar a produtividade da variedade exótica, em parceria com o IAC, desde 2018, e também estuda a viabilidade de mercado. A fazenda produz, por enquanto, apenas 5 sacos, que não atendem a demanda de cafeterias e torrefadoras.

“O custo de produção é muito alto e em alguns anos temos até prejuízo com o laurina porque os compradores não querem dar o devido valor.”

O produtor Isaac Ribeiro Gabriel também investe no cultivo de laurina na fazenda da família em Guaxupé (MG) desde 2000, onde planta outras 18 variedades. O plantio do café laurina era atrelado a um contrato de 20 anos com a empresa de alimentos Kraft Foods, que comprava todo o volume, torrava na Suécia e vendia nos Estados Unidos. Com a venda da Kraft, Gabriel passou um ano exportando a produção de grãos para o Japão e Inglaterra.

Sua filha Flávia, que cuida atualmente da comercialização, decidiu então usar a torrefadora instalada na fazenda para beneficiar o pequeno volume de laurina e vender o produto no mercado nacional, no e-commerce.

“É um café com custo de produção mais alto, muito sensível e que dá muito trabalho. Mas eu estou acreditando no potencial do laurina. Mas o produtor tem que fazer contas para ver se vale a pena investir nesse nicho porque nem todos querem pagar o preço mais alto”, diz ela.

Um pacote de 200 gramas do laurina da marca Arte Café custa R$ 49 (equivalente a R$ 196 o quilo). Os outros cafés da fazenda são vendidos na faixa de R$ 109 o quilo.

Pesquisa

A variedade laurina é originária das ilhas de Reunião, localizada a leste de Madagascar, no continente Africano. Foi introduzida no Brasil no século 19 e passou a ser estudada pelo IAC em 1932. Embora tenha sido alvo de diversos estudos genéticos e agronômicos, nunca teve seu cultivo recomendado pela entidade por causa da baixa produtividade e do alto custo de produção.

O engenheiro agrônomo Gerson Silva Giomo, pesquisador de café do IAC, diz que a planta é muito frágil, não tem potencial genético para aumento de produtividade e tem suscetibilidade alta a doenças como a ferrugem, mas se for bem manejada produz uma bebida muito boa, atingindo 87, 88 ou 89 pontos na escala de cafés especiais.

“A produção dessa variedade exótica tem que estar alinhada a um mercado que vai pagar seu custo, ou seja tem que ser uma produção sob encomenda. A maioria dos brasileiros consome o café commodity, então o melhor mercado para essa bebida é o externo.”

A baixa produtividade, diz Giomo, desestimula o plantio em escala. Além de demandar controle mais rigoroso, a colheita do laurina é mais difícil porque a planta é baixa e tem uma ramificação maior, o que dificulta a colheita mecanizada.

Segundo ele, não há produtores exclusivos de laurina nem estimativas de área plantada da variedade no país. Ele acredita que a premiação internacional obtida pela bebida em 2018 deve ter estimulado produtores a investirem novamente na cultivar que está no portfólio do IAC e só é encontrada em viveiros de mudas por encomenda.

O Brasil tem oferta de bebidas descafeinadas, mas se trata de grãos convencionais cuja cafeína é extraída em processo industrial.