Política

Bolsonaro é condenado por racismo pelo TRF-4 e terá que pagar indenização de R$ 1 milhão

Decisão da 3ª Turma aponta que comentários depreciativos sobre cabelo de apoiador negro configuram dano moral coletivo

Por Redação* 16/09/2025 14h02
Bolsonaro é condenado por racismo pelo TRF-4 e terá que pagar indenização de R$ 1 milhão
Jair Bolsonaro - Foto: O Globo

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), nesta terça-feira (16/9), a pagar R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos por racismo recreativo.

A apuração do caso, baseada em fontes como vídeos de transmissões ao vivo e registros feitos nos arredores do Palácio da Alvorada, foi submetida à checagem do tribunal. Os magistrados entenderam que as manifestações de juízo depreciativo violam o compromisso com a verdade e o respeito à dignidade humana, princípios éticos fundamentais. A decisão reforma uma sentença de primeira instância que havia absolvido o ex-presidente.

Ao se dirigir a um apoiador negro com cabelo Black Power, Bolsonaro fez os seguintes comentários:

  • “Criatório de baratas”;
  • “Olha o criador de baratas. Como tá essa criação de baratas?”;
  • “Você não pode tomar ivermectina, vai matar todos os seus piolhos”;
  • “Tô vendo uma barata aqui”.

relator da apelação, desembargador federal Rogério Favreto, votou pela condenação de Bolsonaro ao pagamento de R$ 1 milhão. O mesmo valor foi fixado para a União. A apuração, que se baseou nas fontes do processo, foi submetida à checagem do tribunal. Favreto afirmou que “comportamentos e manifestações aparentemente desprovidos de intenções muitas vezes potencializam a estigmatização a determinados indivíduos por determinadas características, sob falso argumento de brincadeira e fala jocosa”.

O desembargador declarou que a ofensa racial disfarçada de brincadeira, que associa o cabelo black power a insetos e sujeira, 

“A ofensa racial disfarçada de manifestação jocosa, ou de simples brincadeira, que relaciona o cabelo black power a insetos que causam repulsa – no caso aqui, as baratas – e à sujeira, atinge a honra e dignidade das pessoas negras e potencializa o estigma de inferioridade dessa população. Trata-se de comportamento que tem origem na escravidão, perpetuando processo de desumanização das pessoas escravizadas, posto em prática para justificar a coisificação de seres humanos e comercialização como mercadoria”.

Segundo Favreto, as declarações devem ser tipificadas como um “ato de racismo recreativo, que procura promover a reprodução de relações assimétricas entre grupos raciais por meio de política cultural baseada na utilização de humor como expressão de hostilidade racial”.

O desembargador federal Roger Raupp Rios, outra fonte crucial para a decisão, enfatizou em seu voto que “não se podem menosprezar os efeitos de violência simbólica que falas usuais e reiteradas, com intenso conteúdo racialmente ofensivo, têm, quando proferidas por um agente público que detém a representação formal da República”, com efeitos que vão muito além da pessoa diretamente atingida.

O que dizem as partes

A procuradora regional da República Carmem Elisa Hessel, em sua sustentação, defendeu a reforma da sentença e a condenação de Bolsonaro. Com base na checagem dos fatos, a representante do Ministério Público Federal (MPF) afirmou que “as declarações do réu, no caso, reforçam ideias preconceituosas e estigmatizantes sobre os cabelos das pessoas negras, com propósito de desqualificar a identidade e as práticas culturais da população negra”.

Segundo a procuradora, o discurso, vindo do então chefe de governo, “contribui para o aumento do preconceito ao reforçar estereótipos negativos”. Ela concluiu que “a população negra, como ente coletivo, é titular do direito à proteção antidiscriminatória, reconhecido constitucionalmente”.

Veja o que pede o MPF no processo:

  • Condenação da União à obrigação de fazer, consistente na realização de campanha publicitária de combate ao racismo, de âmbito nacional, com duração mínima de um ano, com valor não inferior a R$ 10 milhões, utilizando recursos orçamentários destinados à publicidade e propaganda oficial; 
  • Condenação de ambos os réus [União e Jair Bolsonaro] ao pagamento de uma indenização por danos morais coletivos no valor mínimo de R$ 5 milhões.

Na apuração, o Ministério Público Federal (MPF) também apontou, entre aspas, uma “discriminação institucional indireta exercida pela União, representada pela figura da Presidência, em afronta aos princípios democráticos e enfraquecimento do princípio da igualdade”.

A advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, outra fonte ouvida no processo, defendeu que “a manifestação do recorrido nunca poderia ser vista como pretensão de ofensa racial por se cuidar de comentário, ainda que jocoso, relacionado a uma característica específica do seu interlocutor”. “Nada se abordou sobre qualquer aspecto que não o inequívoco comprimento do cabelo, pouco importando se o corte é black power ou não. Em nenhum momento da fala do réu foi dito isso em relação ao formato do cabelo, mas, sim, ao comprimento”.

Decisão de 1ª instância

A decisão do TRF-4 reforma uma sentença anterior. A notícia original, de fevereiro de 2023, informava que a juíza federal substituta Ana Maria Wickert Theisen havia negado o pedido de condenação de Bolsonaro ao pagamento de R$ 5 milhões. A checagem dos autos mostra que, ao absolvê-lo, a magistrada argumentou que o dano moral coletivo não é a “somatória dos danos individuais”, mas a violação de um direito da coletividade.

O apoiador de Bolsonaro alvo dos comentários é o mineiro Maicon Sulivan, que se autointitula “Black Power do Bolsonaro”. Em suas declarações, que servem como fonte para a matéria, ele defendeu o ex-presidente, afirmando que “o presidente tem essa intimidade para brincar”. Sulivan acrescentou: “Eu não sou um negro vitimista e tudo que eu conquistei foi fruto de trabalho e meritocracia”.

*Com informações do Metrópoles