Política
Alfredo Gaspar propõe trancar ação do golpe contra Ramagem e é acusado de tentar favorecer Bolsonaro
O pedido, apresentado pelo PL, busca interromper o processo contra Ramagem, acusado de crimes como tentativa de golpe de Estado, formação de organização criminosa e outros delitos

Durante sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, realizada na quarta-feira (30), aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro tentaram utilizar o processo contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) como um atalho para suspender também a ação penal que atinge o próprio Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF). A movimentação foi revelada pelo jornalista Cleber Loureiro, do ICL Notícias, e confirmada pela Agência Brasil.
A estratégia se apoiou no parecer do deputado Alfredo Gaspar (União-AL), relator do pedido de sustação da Ação Penal nº 12.100, que tramita no STF. O pedido, apresentado pelo PL, busca interromper o processo contra Ramagem, acusado de crimes como tentativa de golpe de Estado, formação de organização criminosa e outros delitos. Gaspar, no entanto, defendeu a suspensão total da ação penal envolvendo todo o chamado “núcleo 1” da suposta trama golpista, que teria como objetivo impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse núcleo inclui, além de Ramagem, figuras centrais do bolsonarismo, como os generais Walter Braga Netto e Augusto Heleno, os ex-ministros Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
O relatório de Gaspar afirma: “votamos pela sustação do andamento da Ação Penal contida na Petição n. 12.100, em curso no Supremo Tribunal Federal, em relação a todos os crimes imputados.” A redação, genérica, não especifica que a suspensão se refere apenas a Ramagem — o único com mandato parlamentar e, portanto, protegido pelo artigo 53 da Constituição. Essa omissão abre margem para que o texto seja interpretado como uma tentativa de suspender o processo de todos os réus, inclusive Bolsonaro.
Como Ramagem é réu no mesmo processo do ex-presidente, deputados entenderam que o relatório poderia ser usado para travar o julgamento de todo o grupo investigado. Ramagem foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, acusado de monitoramento ilegal de autoridades e disseminação de desinformação para deslegitimar o processo eleitoral.
A manobra, considerada sorrateira, gerou reação imediata da base governista. Deputados afirmam que o relatório foi apresentado minutos antes do início da sessão, contrariando o acordo de bastidores que previa apenas a leitura e posterior pedido de vista. Muitos parlamentares já haviam deixado a reunião, acreditando que não haveria deliberação imediata.
“Foi tão descarado que o relator subiu o relatório de última hora, sem mencionar que a suspensão valeria apenas para Ramagem. Na prática, isso travaria o processo como um todo, o que é flagrantemente inconstitucional”, afirmou um deputado da base. O pedido de vista foi aprovado, e a votação deve ocorrer na próxima semana.
O deputado Rubens Júnior (PT-MA) criticou a tentativa: “Com a oposição bolsonarista não tem um dia de descanso. Quando a gente menos espera, eles colocam um jabuti no meio do relatório do Ramagem para tentar suspender toda a ação penal da qual Bolsonaro é réu.” Ele classificou a ação como uma tentativa de criar um “factoide jurídico” para alimentar uma narrativa de impunidade.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), também reagiu: “Estão tentando trancar uma ação penal de tudo, inclusive de Bolsonaro, o que é totalmente inconstitucional.”
Do ponto de vista jurídico, a tentativa de estender a imunidade de Ramagem a outros réus é inviável. A Súmula 245 do STF afirma que “a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa”. Ou seja, a Câmara pode sustar a ação penal apenas em relação ao parlamentar em exercício, não a terceiros.
O jurista Pedro Serrano reforça: “A imunidade formal só protege o parlamentar. Quem não exerce mandato não pode se beneficiar disso, mesmo que esteja no mesmo processo. Se suspenderem o processo em relação a Ramagem, vale só para ele.”
Para especialistas, trata-se de uma distorção do princípio da imunidade parlamentar, que visa proteger o exercício do mandato, não blindar ex-presidentes ou aliados. Se o texto for aprovado sem ajustes, o STF deverá reafirmar a validade da Súmula 245, mantendo o andamento da ação penal contra Bolsonaro e os demais investigados.
Mais do que uma disputa jurídica, o episódio revela um embate político sobre os limites do Congresso. Uma eventual aprovação da redação como está sinalizaria uma tentativa de o Legislativo interferir nas prerrogativas constitucionais do Judiciário e criar, na prática, uma “anistia informal” sem base legal.
O caso acontece em um momento delicado para Jair Bolsonaro, já declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e réu em múltiplos inquéritos, incluindo os relacionados à tentativa de golpe. Entre seus aliados, cresce a percepção de que uma condenação é apenas uma questão de tempo — o que reforça as tentativas de blindagem por meio de manobras legislativas.
O desfecho da votação na Câmara e a resposta do Supremo serão decisivos para determinar se o Congresso poderá usar suas prerrogativas para alterar o curso de ações penais em curso — ou se essa tentativa será firmemente barrada em nome do respeito à Constituição.
*Com informações do Novo Extra
