Política

Maceió: Prefeitura sabia que área de risco crescia desde setembro, mostra ofício sigiloso

Braskem também foi alertada sobre movimentação do solo com antecedência, mas se opôs à ampliação do mapa de áreas de risco

Por O Globo 02/01/2024 10h10 - Atualizado em 02/01/2024 10h10
Maceió: Prefeitura sabia que área de risco crescia desde setembro, mostra ofício sigiloso
Mina 18 da Braskem, no bairro Mutange - Foto: Ailton Cruz

A Defesa Civil de Maceió tinha conhecimento de que a movimentação do solo na região do bairro do Mutange vinha aumentando desde o fim de setembro, mais de dois meses antes de tornar a informação pública no último dia 29.

O afundamento, que já chegou a 1,8 metro em menos de uma semana, também chegou ao conhecimento da petroquímica em novembro, mas a companhia se negou a tomar providências imediatas.

Um documento sigiloso obtido pela equipe da coluna, o ofício 774 da Defesa Civil, com data de 13 de outubro, mostra que o órgão já havia constatado que uma região no entorno da mina 18, na orla da Lagoa de Mundaú, estava se mexendo muito antes da informação se tornar pública.

Ofício da Defesa Civil de Maceió encaminhado aos órgãos de controle com solicitação de sigilo — Foto: Reprodução

O documento não muda a classificação de risco da mina, mas informa que seria necessário incluir na área de monitoramento o bairro de Bom Parto, onde moram quase 300 famílias. O ofício também inclui mais trechos na classificação de máximo risco, batizada de “criticidade 00”. Essas mudanças seriam refletidas em um novo mapa de risco elaborado pela Defesa Civil.

Nada disso, porém, foi divulgado ao público até o último dia 30, quando a Justiça Federal concedeu uma liminar mandando que fosse divulgada a nova versão do chamado do chamado mapa de linha de ações prioritárias de Maceió, que mapeia as regiões de risco, “acompanhado de plano de comunicação” que garantisse “informação adequada aos moradores atingidos”.

Trecho em que prefeitura de Maceió reitera pedido para que dados sobre movimentação no solo permanecessem em sigilo até a conclusão de 'todos os trâmites legais' — Foto: Reprodução

Só então os moradores de Maceió ficaram sabendo do que havia sido comunicado pela própria Defesa Civil em 21 de setembro ao MPF, o MP de Alagoas, a Defensoria Pública da União, a Defesa Civil do estado e a nacional, que integra junto com a divisão estadual um comitê técnico para acompanhar o caso da Braskem.

Na ocasião, foi relatado que o monitoramento da prefeitura detectou "movimentos persistentes na região da lagoa" e que não havia mais dúvidas quanto à necessidade de atualização mapa das regiões de risco, cuja última versão datava de dezembro de 2020.

O Ministério Público Federal, então, exigiu que a Defesa Civil divulgasse imediatamente que a área seria ampliada, mas os representantes do órgão pediram um prazo, que terminou em 13 de outubro.

No ofício enviado em outubro, porém, a prefeitura explica as mudanças mas pede que elas sejam mantidas sob sigilo, alegando que a antecipação da divulgação de “dados sensíveis” traria “transtornos” à população.

Questionado pela equipe do blog, o procurador-geral de Maceió, João Lobo, disse que o município manteve os órgãos de controle informados sobre a situação a todo o momento e buscava apenas a melhor forma de comunicar a população acerca dos riscos.

“A ideia era comunicar já oferecendo a a solução do problema para evitar tumulto desnecessário” afirmou Lobo.

Segundo ele, não havia necessidade de realocação da população, que a liminar da Justiça determinou que fosse feita em caráter voluntário, e o colapso da mina não afetará essa nova área, que não estava em risco.

“O município em momento algum escondeu dos orgãos de controle. A gente só estava buscando formas de divulgar essa informação para que não houvesse uso político”.

Na ocasião da reunião de setembro, tanto o MPF quanto o MP estadual determinaram que a prefeitura comunicasse a população sobre os riscos até o dia 13 de outubro, o que só ocorreu no dia 29 de novembro.

Também foi acordado que a Defesa Civil atualizaria o mapa das áreas de risco, mas o novo desenho não foi publicado dentro do prazo. A mudança só foi garantida por uma liminar da Justiça após uma ação civil pública movida pelos procuradores e promotores que acompanham o caso contra a prefeitura e a Braskem.

Segundo apurou a equipe do blog, o MPF também alertou a empresa sobre o risco de colapso em meados de novembro e cobrou a colaboração da petroquímica na realocação dos moradores de áreas que teriam o nível de risco agravado pela Defesa Civil e a inclusão deles no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da companhia.

Na ocasião, porém, a companhia se recusou a fazer qualquer alteração e alegou que todas as medidas de segurança já haviam sido tomadas.

A liminar da Justiça que atendeu à ação do MPF e do MP alagoano intimou a Braskem a inclusão de todos os moradores das regiões que passaram a ser contempladas na criticidade 00 no novo mapa da Defesa Civil no programa.

Na decisão, o juiz federal substituto ngelo de Miranda Neto determinou ainda que a Braskem garantisse “a justa e integral indenização por danos morais e materiais, além dos benefícios temporários para viabilizar a realocação com dignidade, com a atualização monetária correspondente”.

O solo da região da lagoa, no entorno da mina, já afundou 1,8m desde a segunda-feira passada (28), de acordo com a Defesa Civil da cidade. No dia seguinte, a Defesa Civil e a própria Braskem alertaram sobre o risco iminente de colapso de uma das 35 minas da empresa em Maceió.

As 26 famílias que ainda remanesciam no bairro do Mutange, um dos cinco esvaziados após o aparecimento de rachaduras e instabilidade no solo, tiveram que deixar suas casas.

Até agora, já foi preciso realocar cerca de 60 mil pessoas e evacuar mais de 14 mil imóveis em cinco bairros da cidade.