Política

Documentos revelam fazendas de Arthur Lira não declaradas à Justiça

Presidente da Câmara teria comprado as propriedades quando ainda era deputado estadual, mas não as colocou na declaração de bens entregue por ele à Justiça eleitoral em 2006

Por Redação* 30/08/2023 13h01 - Atualizado em 30/08/2023 16h04
Documentos revelam fazendas de Arthur Lira não declaradas à Justiça
Arthur Lira - Foto: Reprodução

Com o objetivo de manter o processo eleitoral transparente e coibir o enriquecimento ilícito de candidatos, a legislação eleitoral exige que todo candidato apresente a declaração de bens e valores que compõem o seu patrimônio para concorrer a um mandato. Na prática, muitos candidatos optam por omitir da Justiça eleitoral imóveis e outras propriedades, sendo este o caso de Arthur Lira (PP).

Documentos obtidos pelo portal Congresso em Foco em buscas realizadas em Pernambuco e Alagoas apontam que o presidente da Câmara dos Deputados, quando ainda era deputado estadual entre 2004 e 2006, pagou quase R$ 5 milhões (valor da época, ou cerca de R$ 16 milhões, em valor atual, conforme correção pelo IGP-M) por quatro fazendas em Pernambuco, propriedades estas que não constam na declaração de bens entregue por ele à Justiça eleitoral em 2006. Os bens declarados por Lira, na ocasião, somavam R$ 695.901,55 (valor da época).

Nos registros encontrados pelo portal é possível ver que ao menos R$ 3,7 milhões da compra foram pagos em “moeda corrente", porém não é possível identificar se o montante foi pago em dinheiro vivo, cheque ou transferência bancária.

Questionado sobre o motivo de não ter declarado esses bens à Justiça eleitoral, Arthur Lira não retornou os contatos feitos com sua assessoria, antes da publicação da reportagem. Após a publicação da matéria, a assessoria enviou nota na qual afirma que “todo o patrimônio do deputado Arthur Lira encontra-se devidamente declarado à Receita Federal e à Justiça eleitoral, fruto do sucesso na gestão de sua atividade agropecuária”.

Pantaneiro e Estrela

Comprada por R$ 1.901.554,82, a fazenda Pantaneiro foi quitada em cinco parcelas, segundo documento anexado em um processo em que Lira é réu ao qual a reportagem teve acesso. A primeira parcela foi paga em 19 de julho de 2004, no valor de R$ 679.000,00. A última, em 30 de julho de 2005, foi no valor de R$ 253.333,08, conforme recibo de pagamento em nome de Lira.

Foto: Reprodução

Antes mesmo de terminar de pagar pela Pantaneiro, o então deputado estadual fez outra aquisição: a fazenda Estrela. Um recibo registrado em cartório, que integra um dos processos em que Lira é réu – e que tramita em segredo de Justiça – mostra que a propriedade foi comprada por ele em 7 de julho de 2005. Pela fazenda, o parlamentar pagou R$ 1.084.000,00, de acordo com o documento, sendo que R$ 150 mil foram entregues no “ato do contrato”.

Foto: Reprodução

Uma das parcelas, no valor de R$ 300.000,00, foi quitada com a entrega de um apartamento. O imóvel foi comprado por Lira por meio de uma negociação feita com uma construtora em 31 de julho de 2003, conforme documentos assinados pelo parlamentar obtidos pela reportagem. Os apartamentos ficam no Edifício Mirai, erguido em área nobre de Maceió.

Taquari e Samambaia

O imóvel nunca apareceu nas declarações de bens do deputado à Justiça eleitoral, apesar de seu advogado à época, Fábio Ferrario, ter afirmado em processo que o apartamento fazia parte de um conjunto de oito unidades recebidas pelo então deputado estadual de uma construtora. Em 10 de abril de 2006, Lira adquiriu a Fazenda Taquari, em Pernambuco, por R$ 1.233.000,00. Uma das parcelas, também no valor de R$ 300 mil, foi quitada com a entrega de um dos apartamentos.

Foto: Reprodução

Um terceiro apartamento da construtora também foi usado para quitar parte de outra fazenda comprada pelo presidente da Câmara. Localizada em Quipapá (PE), a fazenda Samambaia teve a compra assinada por Lira em 14 de abril de 2006, apenas quatro dias após ele ter adquirido a Taquari no mesmo estado. Lavrado em cartório, o documento afirma que Lira pagou, “em moeda corrente”, R$ 300.000,00 no ato da assinatura do contrato: “Recebe, neste ato, das mãos do prometido comprador, em moeda corrente, a quantia de R$ 300.000,00. Que contou, achou certo e guardou, dando a este comprador (Arthur Lira), quitação irrevogável desse recebimento”.

Em um processo judicial no qual defendia Lira, Ferrario admitiu, em abril de 2007, que a fazenda Taquari pertencia ao deputado desde antes da eleição de 2006. “Esse imóvel, não se nega, foi indiscutivelmente adquirido pelo senhor Arthur Lira em 10 de abril de 2006”, afirmou o advogado na defesa.

Ferrario é, desde julho de 2022, desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Ele ingressou no Tribunal de Justiça de Alagoas pelo critério do Quinto Constitucional, em vaga destinada à indicação feita pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AL). Procurado pela reportagem, o desembargador disse que é impedido, legalmente, de se manifestar sobre processo por não exercer mais a advocacia.

Foto: Reprodução


Em um dos processos aos quais o Congresso em Foco teve acesso, o advogado também escreveu, em 2007, que a Samambaia pertencia, então, ao pai de Lira, Benedito de Lira. Ex-senador e ex-deputado federal, Benedito é hoje prefeito de Barra de São Miguel, na região metropolitana de Maceió.

Omissão da Justiça eleitoral

Embora tenham sido compradas antes da eleição de 2006, nenhuma das fazendas apareceu na declaração de bens entregue pelo então deputado estadual à Justiça eleitoral naquele ano. Delas, apenas a Taquari foi declarada – ainda assim, a partir de 2014, quando Lira se elegeu para o segundo mandato de deputado federal.

De acordo com o advogado e ex-juiz eleitoral Márlon Reis, a não declaração de bens por qualquer candidato poderia ensejar a abertura de processo por falsidade ideológica eleitoral. Mas, na prática, o jurista reconhece que essa não tem sido a postura da Justiça brasileira. A exigência de declaração patrimonial está prevista no artigo 350 da Lei 9504 (Lei das Eleições). “Esse dispositivo nunca foi utilizado com essa finalidade, infelizmente”, lamenta Márlon.

Para ele, a legislação deveria exigir dos candidatos que declarassem à Justiça eleitoral todos os bens informados à Receita Federal, cujos dados hoje são protegidos por sigilo fiscal. “Não há multa prevista para quem deixa de declarar à Justiça eleitoral. Mas a não declaração desses bens à Receita pode ensejar problemas tributários para o candidato”, destaca o ex-juiz, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.

Confira a nota da assessoria de Arthur Lira na íntegra:

“Todo o patrimônio do deputado Arthur Lira encontra-se devidamente declarado à Receita Federal e à Justiça eleitoral, fruto do sucesso na gestão de sua atividade agropecuária.

No mais, alguns questionamentos se mostram improcedentes, requentados, vazados de ações em segredo de justiça, e já foram analisados pela Justiça competente, que deu ganho de causa ao deputado, inclusive determinando não mais sua veiculação em qualquer meio, por se tratar de assunto analisado e comprovadamente inverídico.

Além disso, a exposição de tais fatos só atentam contra a honra do deputado e ferem a decisão já proferida no Judiciário.

Assim, esperamos que mais essa decisão da Justiça seja cumprida.

Assessoria de Imprensa”

*Com Congresso em Foco