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Violência e censura atingem maioria dos professores em todo o país

Estudo do Onve/UFF revela que perseguições e intimidações já afetam quase toda a categoria

Por Redação* 06/12/2025 17h05
Violência e censura atingem maioria dos professores em todo o país
Participaram do levantamento 3.012 profissionais da educação básica e superior do ensino público e privado de todo o país - Foto: Agência Brasil

Nove de cada dez docentes da educação básica e superior, das redes pública e privada, já sofreram ou testemunharam episódios de perseguição e censura no ambiente escolar. O dado integra a pesquisa inédita A violência contra educadoras/es como ameaça à educação democrática, desenvolvida pelo Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras/es (Onve), vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com o Ministério da Educação (MEC).

O levantamento reuniu respostas de 3.012 profissionais de todos os estados. Segundo o coordenador do estudo, o professor Fernando Penna, o objetivo central foi mapear agressões e práticas relacionadas à limitação da liberdade de ensinar, assim como tentativas de censura e perseguição política. Ele explicou à Agência Brasil que o relatório também incluiu relatos de violência física, embora esse não fosse o foco principal.

Penna destacou que a pesquisa buscou identificar situações em que o professor é impedido de trabalhar com determinados temas ou materiais, configurando perseguição política. “É mais uma censura de instituições em relação aos professores. E não são só instituições. Entre os agentes da censura, estão tanto pessoas dentro da escola, quanto de fora, figuras públicas”, afirmou.

Censura disseminada


Os dados mostram que a censura se espalhou por todas as regiões do país e por todos os níveis de ensino, alcançando não apenas docentes em sala de aula, mas profissionais de múltiplas funções na educação. A pesquisa registrou que 61% dos professores da educação básica e 55% do ensino superior já foram vítimas diretas dessas ações.

Entre esses educadores, 58% mencionaram intimidações, 41% relataram questionamentos agressivos sobre suas práticas pedagógicas e 35% afirmaram ter enfrentado proibições explícitas de conteúdos. Também houve ocorrências de demissões (6%), suspensões (2%), transferências forçadas (12%), remoções de cargo (11%), agressões verbais (25%) e até agressões físicas (10%).

Temas proibidos


Para Penna, o estudo revela que a violência e a censura estão profundamente enraizadas no cotidiano escolar. Ele lembrou o caso de um professor do interior do Rio de Janeiro que tentou distribuir materiais do Ministério da Saúde sobre medidas sanitárias durante a pandemia, mas foi impedido sob acusação de “doutrinação”. Segundo o professor, a diretora afirmou que na escola “não ia ter doutrinação de vacina”.

Outro exemplo citado refere-se a educadores proibidos de abordar violência sexual, tema essencial para orientar alunos sobre situações que frequentemente ocorrem dentro de casa. Penna reforçou que essa discussão, além de obrigatória, pode ser a única oportunidade para que jovens denunciem abusos. Ele destacou que gênero e sexualidade são justamente os assuntos que mais motivaram perseguições relatadas pelos participantes.

A imposição de restringir conteúdos também afeta áreas como ciências, onde temas como teoria da evolução enfrentam questionamentos de pais que defendem o ensino do criacionismo. O estudo aponta que entre 49% e 36% dos docentes já passaram diretamente por episódios desse tipo, muitos deles com reincidências superiores a quatro vezes.

Os assuntos que mais geraram conflitos foram questões políticas (73%), gênero e sexualidade (53%), religião (48%) e negacionismo científico (41%).

A influência da polarização


Os participantes também foram questionados sobre o período em que enfrentaram esses episódios. Segundo Penna, a hipótese de que o fenômeno está ligado à polarização política foi confirmada: a curva de violência sobe a partir de 2010 e registra picos em 2016, 2018 e 2022 — anos de crise institucional, impeachment e eleições presidenciais.

Quem pratica a violência


A maior parte dos agressores citados pelos educadores pertence à própria comunidade escolar: equipes pedagógicas (57%), familiares de estudantes (44%), alunos (34%), docentes (27%), funcionários administrativos (26%), servidores da instituição (24%) ou integrantes das secretarias de educação e reitorias (21%). Para Penna, isso mostra que a violência extrapolou o debate público e passou a fazer parte do cotidiano interno das escolas.

Consequências para a categoria


O impacto emocional e profissional é profundo: 33% classificaram as perseguições como extremamente graves e 39% disseram ter sido bastante afetados tanto no trabalho quanto na vida pessoal. Muitos deixaram a profissão, contribuindo para o chamado “apagão de professores”. Penna afirmou: “Foi uma das ferramentas de manipulação política desse pânico moral usado pela extrema direita nos anos recentes”.

A sensação de insegurança é tamanha que 53% dos respondentes passaram a sentir desconforto no ambiente de trabalho. Cerca de 20% mudaram de unidade escolar por iniciativa própria.

Medo constante


O estudo ainda revelou que 45% dos professores se sentem vigiados e, por isso, evitam certos temas com receio de represálias. Penna relatou casos de escolas privadas onde docentes já sabem que podem ser demitidos se abordarem determinados assuntos. Para ele, esse cenário mostra que o problema está profundamente ligado ao ambiente social e político do país.

O coordenador lembrou que profissionais de outras áreas do conhecimento também têm enfrentado violências similares, como jornalistas, o que motivou a criação de observatórios nacionais para monitorar esses ataques.

Dados regionais


Os relatos mais frequentes de violência direta vieram das regiões Sudeste e Sul, especialmente de estados como Santa Catarina, onde há registros recorrentes de casos e forte presença de grupos de extrema direita.

No total, 93% dos educadores afirmaram ter tido algum contato com episódios de censura: 59% vivenciaram diretamente, 19% souberam de colegas e 15% ouviram relatos.

Propostas de proteção


Penna defende ações específicas para proteger professores, sobretudo em períodos eleitorais, quando a violência tende a crescer. Ele adiantou que a segunda fase da pesquisa, composta por entrevistas qualitativas com um grupo de 20 participantes, está em andamento.

O relatório completo em elaboração recomenda a criação de uma política nacional de enfrentamento à violência contra educadores, iniciativa que já vem sendo tratada pelo MEC. O Observatório também atua em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos.

Para Penna, educadores devem ser reconhecidos como defensores de direitos humanos e incluídos nas políticas de proteção. “É uma ferramenta de denúncia de violação de direitos humanos”, concluiu.

*Com informações da Agência Brasil