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National Geographic: Fotógrafa revela bastidores de imagem que retrata efeitos do caso Braskem
Foto foi selecionada por revista internacional e mostra o momento em que um morador de Maceió segura um filhote de galinha nos ombros, como se fosse a última esperança de acolhimento
O susto mágico, aquele momento único de contemplação, que pode não se estender por ser tão único e genuíno. Aquele traço de poesia em meio às ruínas e a frágil saúde mental de uma comunidade, porque foi obrigada a acompanhar de perto o crime, o declínio de suas memórias, as rachaduras de um sonho. O clique que pode mudar tudo. Tudo congelado em uma imagem que diz muito e toca quem a olha.
Na fotografia de Maíra Erlich, 39 anos, pernambucana radicada em São Paulo, é possível ver tudo isso, especificamente na imagem que retrata seu Damião, morador do Flexal, conjunto do Bebedouro, um dos bairros de Maceió afetados pelo afundamento do solo provocado pela extração de sal-gema da Braskem.
Na foto, Damião Carlos da Silva veste um chapéu aparentemente de couro e uma camisa verde, e está próximo a uma região de mata. Com uma expressão de conforto e de quem está sendo acolhido, segura uma ave nos ombros, um filhote de galinha, como quem segura a última coisa no mundo que o faz repousar. A ave também parece retribuir o carinho.
Essa mesma imagem, intitulada "Shoulder to lean on" (Ombro para se apoiar), foi selecionada como uma das 25 melhores fotos do mundo pela revista Internacional National Geographic, um dos maiores periódicos que reúne fotografia e reportagens aprofundadas sobre temas variados de cultura, arte, geografia, etnografia, história e culturas globais.
"Sinto que posso mostrar o que está acontecendo no mundo e, de repente, registrar uma imagem que representa uma história muito maior, capaz de falar com outras pessoas que não estavam lá", refletiu Maíra Erlich, que há quase 20 anos trabalha com fotografia.

Fotografia como documento
A profissional iniciou a carreira na fotografia de casamento, onde atuou por oito anos, até decidir migrar para novos ambientes narrativos. “Chegou um momento em que eu percebi que precisava contar outras histórias”, relembrou
Após um período de transição, encontrou no fotojornalismo e na fotografia documental o caminho que mais a completa.
A fotógrafa já acompanhava o caso Braskem desde 2018, quando o tremor provocado pelo afundamento do solo atingiu Maceió. Em 2023, decidiu inscrever um projeto sobre o tema para uma bolsa da National Geographic Society. “Eu não via ninguém falando sobre isso. Ninguém sabia o que estava acontecendo."
O resultado da bolsa saiu poucas semanas antes do colapso da mina 18, no fim de 2023. A documentação começou justamente nesse período crítico, mas sua pesquisa sobre a região vinha de bem antes. “A cada ida a Maceió, eu encontrava novas ruas bloqueadas, mais demolições, mais gente tendo suas histórias transformadas. É muito duro lidar com tanta dor, mas é preciso ter forças para contar essa história da melhor maneira possível", disse Maíra.
Imagem simples que revela uma grande tragédia
Segundo a fotógrafa, o momento da imagem aconteceu de forma espontânea, enquanto ela conversava com Luzia, esposa de Damião. “Nada foi montado. Ele estava ouvindo música com a ave no ombro, tranquilo. Fotografei bastante até conseguir capturar aquele momentinho específico", contou.
O vínculo da fotógrafa com o casal vem de sua primeira viagem de documentação a Maceió. “Sempre os visito, a gente se fala sempre. Fiquei muito feliz que a foto escolhida fosse justamente de pessoas por quem tenho tanto carinho.”
Ao longo de dois anos, Maíra fez diversas viagens entre São Paulo e Maceió, registrando mudanças profundas e, em muitos casos, a permanência de injustiças.
Damião é pescador e dona Luzia é ex-catadora de sururu — atividade que praticamente desapareceu da lagoa Mundaú. Problemas de saúde agravaram ainda mais a situação. De acordo com Maíra, o casal culpa a contaminação da lagoa e as mudanças provocadas pela mineração pela escassez de peixes e crustáceos.
A família vivia há mais de 20 anos em uma casa à beira da lagoa, onde criou os filhos e mantinha animais. Em abril de 2025, foram expulsos e tiveram a residência demolida. Hoje vivem em uma casa temporária alugada pela Braskem, ainda aguardando realocação definitiva. “É uma história muito representativa do que tantas outras famílias estão vivendo.”

Maíra Erlich atua na área há quase 20 anos. Foto: Pablo Albarenga
Visibilidade internacional
A profissional destaca que a imagem não foi premiada, como circulou nas redes sociais. Trata-se de uma seleção anual feita pela revista, que escolhe as melhores entre centenas de milhares de fotografias enviadas.
“Ter uma foto entre as 25 escolhidas do mundo todo é muito especial. Quando a revista chegou na minha casa e eu vi a foto impressa, aí a ficha caiu. É surreal", comemorou.
Ela acredita que a fotografia pode ser uma ferramenta de impacto social e um agente de transformação capaz de causar reflexão e empatia.
“Se essa imagem puder ajudar a divulgar essa história, já me sinto grata. Essas pessoas precisam que isso seja contado, conhecido e publicado. Muitos moradores do Bom Parto seguem na mesma situação desde a primeira vez que estive lá. É doloroso, mas essencial documentar", concluiu.

Imagem foi escolhida como uma das melhores do mundo. Foto: Maíra Erlich
Confira as fotos selecionadas pela revista clicando aqui.


