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Família mineira vive luto há meses à espera da repatriação de jovem morto no Camboja

Governo federal nega custeio do traslado do corpo de Gabriel Oliveira, vítima de possível tráfico humano após aceitar proposta de emprego no Sudeste Asiático

Por João Santos* 14/10/2025 15h03 - Atualizado em 14/10/2025 17h05
Família mineira vive luto há meses à espera da repatriação de jovem morto no Camboja
Mineiro morreu no dia 7 de julho em razão de uma explosão na cozinha do local onde trabalhava em Camboja - Foto: Reprodução

Há três meses, a família do mineiro Gabriel Oliveira, de 24 anos, vive uma rotina de espera, burocracia e dor. O jovem morreu no dia 7 de julho, em um acidente ainda cercado de mistério no Camboja, país para o qual havia sido levado após aceitar uma proposta de emprego aparentemente vantajosa. Desde então, o corpo está retido em uma funerária privada, e o sonho de um futuro melhor deu lugar a uma luta angustiante por repatriação.

Gabriel era descrito como um rapaz tranquilo e dedicado à área de computação. Segundo a família, ele recebeu uma proposta para trabalhar no Sudeste Asiático, com salário estimado entre 3 mil e 5 mil dólares, valor que o atraiu pela promessa de estabilidade. A vaga seria, supostamente, na Tailândia, mas, ao chegar ao destino, ele foi levado para o Camboja, sem aviso prévio.

O pai do jovem, Daniel Araújo, funcionário público aposentado, relembra que a família tentou alertá-lo sobre o perigo. “A madrinha dele mostrou vídeos sobre casos de tráfico e exploração, nossos familiares também conversaram com ele, mas ele estava decidido. Estava focado em ir”, conta.

Pouco tempo depois de chegar, Gabriel começou a relatar jornadas de trabalho exaustivas e condições precárias. O último contato com a família ocorreu no dia 4 de julho. Três dias depois, veio a notícia devastadora: o mineiro havia morrido em uma explosão na cozinha do local onde trabalhava.

As circunstâncias, no entanto, levantam suspeitas de que ele possa ter sido vítima de tráfico internacional de pessoas, uma prática que tem se intensificado na região. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores (MRE), só em 2024, 63 brasileiros foram resgatados de situações de tráfico humano no exterior, 41 deles no Sudeste Asiático.

Burocracia, desamparo e luto suspenso

A notícia da morte chegou à família oito dias após o acidente, no dia 15 de julho. Desde então, os pais de Gabriel tentam, sem sucesso, custear o traslado do corpo. O processo, intermediado pela Defensoria Pública da União (DPU), esbarrou na negação do pedido de repatriação pelo governo federal.

Um decreto presidencial assinado em junho de 2025 (Decreto nº 12.535/2025) prevê que o governo arque com os custos em situações excepcionais, desde que cumpridos quatro critérios:

  • Falta de condição financeira da família;
  • Inexistência de seguro ou cobertura contratual;
  • Comoção social gerada pela morte;
  • Disponibilidade orçamentária do governo.

Mesmo diante da situação, a solicitação da família foi negada. O Itamaraty justificou que o traslado de restos mortais “só está previsto em situações excepcionais” e informou que um novo decreto regulamentando as normas ainda está em fase de elaboração.

Enquanto isso, o corpo de Gabriel permanece em uma funerária privada no Camboja, país que não possui serviço público de guarda de corpos. O custo aumenta “a cada dia que passa”, relata o pai.

“Já são três meses de luta para conseguir trazê-lo de volta. Queremos apenas viver esse luto de forma digna”, desabafa Daniel.

Fontes próximas ao caso afirmam que, diante da possibilidade de envolvimento com o tráfico internacional de pessoas, o Estado brasileiro “não deveria se omitir diante de um caso que simboliza falhas de proteção aos cidadãos no exterior”.

A saudade e o vazio 

Entre as lembranças, a dor e a espera, a irmã mais nova de Gabriel, Gabriele Oliveira de Araújiro, tenta encontrar forças para enfrentar o luto que ainda não pôde começar.

“Ele era meu único irmão. Às vezes parece que ele ainda está viajando. Acho que a ficha só vai cair quando conseguirmos trazer o corpo e fazer o velório”, confessa.

Na casa da família, em Contagem, o silêncio é cortado apenas pelo som do cachorro de Gabriel, que ainda procura o dono. “Ele sente falta. Dormiam juntos, era o companheiro de todas as horas”, diz o pai.

Problema crescente

Casos como o de Gabriel têm se tornado cada vez mais comuns. Jovens brasileiros são aliciados com promessas de altos salários e empregos em tecnologia, mas acabam em situações de trabalho forçado ou confinamento, principalmente no Camboja, Laos e Mianmar, regiões onde atuam redes transnacionais de tráfico humano.

Enquanto o governo analisa novos critérios para o custeio de repatriações, a família Oliveira segue aguardando por um desfecho que permita, enfim, dizer adeus.

*Estagiário sob supervisão