Nacional
Vítima de espancamento em elevador teve lesão como se sofresse acidente de moto sem capacete
'Foi do décimo sexto [andar] até o térreo. Ele me esmurrando sem parar, né?', descreveu mulher que levou 61 socos

As lesões sofridas por Juliana Soares, de 35 anos, brutalmente espancada por seu então namorado em um elevador em Natal (RN), foram tão graves que o médico responsável pela cirurgia de reconstrução facial comparou a situação à de vítimas de acidentes de trânsito.
"Era como se ela tivesse sofrido um acidente de moto, sem capacete", afirmou o cirurgião bucomaxilofacial Kerlison Paulino.
O caso de violência doméstica que chocou o país ocorreu na manhã de 26 de julho, em Ponta Negra, bairro turístico da capital potiguar. As câmeras de segurança de um condomínio registraram Juliana e Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, aproveitando a piscina. Eles se conheceram em uma academia, onde treinavam juntos todos os dias. Igor é ex-jogador de basquete.
Naquele mesmo dia, outras imagens do condomínio captaram o casal discutindo dentro do elevador. Segundo as investigações, Igor teve uma crise de ciúmes e a briga escalou para uma "covardia brutal".
Juliana disse que decidiu permanecer no fundo do elevador para se proteger e garantir que as câmeras registrassem o ocorrido. "Ele foi para o elevador em que eu tava para tentar me convencer a sair de lá. E eu não saí porque eu sabia que, se eu saísse, não ia ter câmera para filmar", relatou a vítima. Juliana ainda relatou que Igor afirmou que ela "ia morrer".
Para a delegada do caso, Victória Lisboa, as imagens são a "prova inquestionável da vontade de matar". O vídeo chocante mostra que Juliana levou 61 socos violentíssimos na cabeça e no rosto.
O espancamento durou 34 segundos. "Foi do décimo sexto [andar] até o térreo. Ele me esmurrando sem parar, né?", descreveu a vítima.
Após a agressão, uma moradora do condomínio encontrou Juliana ensanguentada. O porteiro do condomínio acionou imediatamente a polícia, relatando que a mulher estava ensanguentada.
Policiais militares chegaram ao local e levaram Igor para a delegacia. Uma amiga de Juliana e um policial também contataram o SAMU, informando que a vítima estava "bem machucada".
No dia seguinte, policiais da Delegacia da Mulher foram ao hospital onde Juliana estava internada. Sem condições de falar, Juliana se comunicava por gestos.
Em um dado momento, uma policial forneceu caneta e papel, e Juliana escreveu uma declaração crucial: "Eu sabia que ele ia me bater. Então não saí do elevador. E ele começou a me bater e disse que ia me matar". Com base nessas provas, o juiz decretou a prisão preventiva de Igor no mesmo dia, durante a audiência de custódia.
Na sexta-feira (31), Igor foi transferido para um presídio em Natal. Em nota conjunta, advogados e familiares do agressor afirmaram que ele está à disposição das autoridades para julgamento, e que os familiares não têm responsabilidade pelos atos cometidos.
A delegada que assumiu o caso prevê que Igor responderá inicialmente por tentativa de feminicídio. Outros crimes, como violência psicológica, que já vinham ocorrendo, também podem ser investigados.
A advogada Caroline Mafra, que representa Juliana e a conhece há dez anos, confessou ter ficado estarrecida e não conseguiu assistir ao vídeo da agressão até o final. As duas se conheceram em um trabalho voluntário.
"Trabalhei com pessoas carentes, incluindo população em situação de rua e crianças que tiveram a guarda destituída dos pais. Me identificava muito. Achava que eu tinha nascido pra fazer aquilo. A área social sempre a atraiu muito", contou Juliana.
O elevador, cenário do crime, ficou com "sangue, boné e chinelos" espalhados pelo chão ensanguentado. Juliana prefere que o ocorrido não seja retratado de forma explícita, pois não quer ser sempre lembrada "de maneira deformada, que é infelizmente como ela está hoje". A delegada do caso ressaltou que "o ataque à face da mulher é violência de gênero, pois atinge a feminilidade".
Na sexta-feira, Juliana passou por um complexo procedimento de reconstrução facial em um hospital público. A cirurgia, prevista para quatro horas e meia, estendeu-se por quase sete horas devido à sua complexidade. Ela sofreu três fraturas na região do olho direito, uma maior, de lado a lado, abaixo do nariz, pequenos fragmentos na maçã do rosto e outra fratura na mandíbula.
Apesar da seriedade, o risco de sequelas neurológicas foi descartado. A recomposição funcional e estética do rosto de Juliana será acompanhada por, pelo menos, dois meses na mesma unidade do SUS.
"Ela fala sempre pra gente assim: ‘Minha vida começou agora’", dizem as advogadas do caso. Juliana afirma que espera que seu caso sirva para "dar visibilidade pra quem acha que não tem voz".
A delegada-geral do Estado, Ana Claudia Gomes, descreveu o crime como uma "selvageria que não reflete a evolução da sociedade". "Por que o homem ainda se sente dono da mulher?", questiona.
Ela reforçou ainda que a denúncia é a única forma de interromper a violência. Ainda segundo a delegada-geral, 90% dos casos de violência ocorrem no ambiente familiar, onde o Estado não está presente.
