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Catedral Nossa Senhora dos Prazeres é considerada a 'espinha dorsal' de Maceió; entenda

Estrutura surgiu por volta do século XVII, quando um engenho de açúcar, que levava o nome de “Maçayó”, começava a surgir e crescer como povoado

Por *João Santos 13/09/2025 09h09 - Atualizado em 13/09/2025 11h11
Catedral Nossa Senhora dos Prazeres é considerada a 'espinha dorsal' de Maceió; entenda
Catedral era localizada em um engenho chamado "Maçayó" e foi transformada com o passar do tempo - Foto: Reprodução

Ao ir à missa de domingo na catedral, é difícil visualizar que ali naquela praça está um dos elementos que contribuíram para a história de Maceió. Era por volta do século XVII, quando um engenho de açúcar, que levava o nome de “Maçayó”, começava a surgir e crescer como povoado. Nele, havia uma capelinha que inicialmente não era da Nossa Senhora dos Prazeres, porém foi transformada pelo tempo.

Essa capela foi ponto fundamental na construção de uma identidade política, histórica, social e cultural da capital, que nessa época era dependente de Pernambuco. Posteriormente, a cidade teria o mesmo nome desse engenho.

A capelinha foi consagrada a São Gonçalo do Amarante, situado onde hoje está a Praça D. Pedro II. Com a crescente devoção à Nossa Senhora dos Prazeres no povoado, ela foi modificada e se tornou uma capela devota das sete alegrias.

“Em 1762, a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres passou a figurar no altar central como a nova padroeira de Maceió. A partir de então, definitivamente a devoção a Nossa Senhora dos Prazeres superou a devoção a São Gonçalo. Maceió ainda era um povoado muito pequeno, mas já tinha como padroeira Nossa Senhora dos Prazeres”, contou Álvaro Queiroz da Silva, diácono da arquidiocese e historiador.

Praça Dom Pedro II, onde hoje funciona a Assembleia Legislativa de Alagoas. (Foto: reprodução)

‘Aquela que protege e defende’ e sua história com Maceió

No dia 16 de setembro de 1817, Alagoas tornou-se província e, desde seu início, a história da capital se mistura com a história da arquidiocese, da catedral e sua devoção. De acordo com fontes históricas, o primeiro governador da província de Alagoas, Pedro Paulino da Fonseca, iniciou o projeto de bispado em 1819.

“Se você quiser conhecer as raízes históricas de Maceió, precisa voltar à Praça Dom Pedro II, a Praça da Catedral. Foi ali que tudo começou: o engenho, a casa-grande, a senzala e a capela. A capela era o grande centro religioso, reunindo a todos, independentemente da condição social ou da cor da pele”, disse Álvaro

Olhando para o centro histórico e vendo a catedral, entendemos que existe uma devoção, existe uma padroeira da cidade. Do latim patronariu e patronus: padroeiro significa aquele que protege e defende, e são figuras católicas santas que denotam grande importância cultural para uma cidade e país.

A importância dessas figuras surge a partir de alguma relíquia do santo, a atuação do santo na região ou recomendações para um templo específico.

No caso de Maceió, sua ligação com Pernambuco provavelmente foi o ponto que fez a crescente conexão entre a devoção e o estado.

“Essa devoção deve ter vindo daquelas cercanias do Recife, onde se encontra o Monte dos Guararapes, local da célebre batalha contra os holandeses. As hostes luso-brasileiras ostentavam à frente o estandarte com a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres e atribuíram a vitória a ela”, explicou o diácono.

Nossa Senhora dos Prazeres, que é vista como uma bênção aos guerreiros brasileiros, não é a santa em si, mas sim um dos muitos títulos dados à Virgem Maria (santa). Esta representação iconográfica mostra a Virgem Maria com o Menino Jesus nos braços e, sob seus pés, aparecem sete flores que simbolizam suas sete maiores alegrias.

Tais alegrias, que têm origem na devoção franciscana, são as seguintes: a Anunciação do anjo; a visita à sua prima Isabel; o nascimento de Jesus; a visita dos Reis Magos; o encontro de Jesus no templo; a ressurreição de Jesus e, finalmente, a sua coroação no céu.

O historiador Álvaro Queiroz também destacou que “podemos dizer que essa devoção a Nossa Senhora dos Prazeres, juntamente com a fé católica, é um aspecto fundante da sociedade maceioense”, e complementa, falando da devoção: “É um povo que tem uma enorme devoção. Basta ver que a procissão de Nossa Senhora dos Prazeres, a cada ano, aumenta o número de participantes.”

Uma festa de sete Alegrias e identidade maceioense

A festa de Nossa Senhora dos Prazeres, que em um português moderno poderia ser chamada de Nossa Senhora das Alegrias, acontece em 27 de agosto e é feriado municipal.

Sua importância é gigantesca na construção da identidade alagoana e existe até mesmo uma proposta de lei que busca incluí-la como Calendário Oficial de Eventos do Município de Maceió, visando protegê-la como patrimônio cultural imaterial e assegurar sua continuidade.

Mas, é importante destacar que não é só a fé católica que constrói a identidade maceioense. De acordo com a obra “Traços e Troças: crônica vermelha, leitura quente", de Pedro Nolasco Maciel, o espaço urbano de Maceió é uma espécie de resultado do catolicismo com o Xangô africano.

A história desse espaço está marcada por uma pluralidade religiosa, porém o privilégio religioso político do catolicismo o fez perdurar por mais tempo e com mais força na cultura alagoana, sendo muitas vezes misturada com religiões e manifestações locais, como no caso da capela de Nosso Senhor dos Pobres em Mumbaça, que era um local de convergência do catolicismo com o culto africano.

A formação da diocese maceioense é fruto de um trabalho conjunto entre clero e povo, sendo uma estrutura religiosa poderosa, adjunta ao trabalho entre classes sociais alta e baixa.

“Houve uma mobilização geral de toda a população, do mais humilde ao mais rico. Todos contribuíram e participaram de forma ativa e decisiva para a fundação do Bispado, oferecendo contribuição financeira e material. A população se organizou intensamente para a criação da diocese”, disse Queiroz.

Missa de abertura da Festa de Nossa Senhora dos Prazeres | (Foto: Ascom Arquidiocese)

‘Templo Imperial’ e o impacto da diocese na sociedade

Concluída em 1859, surge o que conhecemos hoje como a grande catedral de Maceió, e um ponto de curiosidade é que o termo “Templo imperial”, cunhado pelo historiador alagoano natural de Penedo, professor Hernani Otacílio Mero, traz menção ao episódio em que Dom Pedro II participou da inauguração da catedral.

Segundo o diácono Álvaro Queiroz, a nova Matriz de Maceió foi inaugurada em 31 de dezembro de 1859, com a presença de Suas Majestades Imperiais, Dom Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina, que pisaram o chão sagrado da nova igreja dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres.

Essa catedral marca finalmente o começo do processo de oficialização da diocese, que vai culminar lá em 1900 com a bula do Papa Leão XIII, onde é considerada a data oficial da fundação da diocese. Mas começou seu funcionamento com a posse do primeiro bispo, Dom Antônio Manuel de Castilho Brandão, natural de Alagoas, de Mata Grande.

O principal trabalho de destaque de Dom Antônio foi a criação de um seminário de formação local do clero, o qual ele conseguiu, com êxito. Ele teve vontade de alfabetizar os pobres e, apesar de querer muito, encontrou dificuldades para conseguir esse feito. Porém, sua intenção gerou frutos.

Dom Antônio fundou o Seminário Maior Nossa Senhora da Assunção, que tornou-se a primeira instituição de ensino superior do estado. O seminário seguia a filosofia e teologia tomista e contava com cerca de 50 alunos, sendo sua maioria no curso superior de filosofia.

Como consequência de suas vontades, a igreja instituiu algumas escolas católicas confessionais (como o Colégio Marista e Sacramento) para formação de jovens e contribuir para a educação alagoana, sendo fundamental para a formação de Alagoas.

A 'espinha dorsal' da memória


Saber a história da diocese, a devoção e a história de Maceió, é conhecer também a memória de um povo e a espinha dorsal do povo alagoano.

“Nossa identidade como povo e como sociedade foi forjada a partir da devoção católica a Nossa Senhora dos Prazeres. Até hoje essa memória vem sendo preservada, pois, se a perdemos, é como se estivéssemos perdendo nossa espinha dorsal”, pontuou Queiroz.

Para ele, é necessário sempre lembrar que essa devoção moldou a sociedade maceioense.

“Bauman fala de uma sociedade líquida, um mundo fluido, sem consistência. Nós precisamos justamente dessa consistência, e o que a garante a um povo e a uma sociedade é a identidade histórica, preservada pela memória”, concluiu.

*Estagiário sob supervisão