Geral
Ainda sem indícios de eficácia da cloroquina no combate a Covid-19
Esperança com cautela

Durante a gripe suína de 2009, agentes de saúde dos Estados Unidos instruíram as pessoas a lavar as mãos com água quente, alegando que, com a temperatura alta, matavam-se mais bactérias. A FDA divulgou normas para restaurantes, exigindo água quente nos banheiros. Mas pesquisas bem conduzidas mostraram que a temperatura da água não faz a menor diferença, o que importa é o tempo da lavagem. A confusão veio justamente daí: lavar as mãos em água quentinha é mais gostoso, logo as pessoas se demoram mais. Um engano bobo mudou diretrizes federais que afetam milhares de empresas. É, enfim, muito fácil chegar a conclusões erradas.
Em meio à pandemia de Covid-19, a sensação de urgência em encontrar uma resposta leva governos, médicos e até mesmo cientistas a tirar conclusões a partir de resultados frágeis e imperfeitos. O uso da cloroquina e hidroxicloroquina espalhou-se pelo mundo antes de haver evidência científica suficiente que permita apostar em sua eficácia e segurança no tratamento da nova doença. Todos os estudos divulgados até agora são incompletos e não têm resultados confiáveis, seja contra ou a favor. São estudos que apresentam muitos fatores de confusão (como a água morna nas torneiras de banheiro) e que não permitem conclusões.
Não é a primeira vez que a cloroquina é testada em doenças causadas por vírus. Essa substância é capaz de proteger células cultivadas em laboratório do ataque de vírus. Por isso, cada vez que surge uma nova doença viral, recorre-se para a cloroquina, na esperança de que vá funcionar também em humanos. O medicamento já é utilizado para malária e para doenças autoimunes, mas requer cuidado pois pode afetar coração, olhos e fígado.
Nem tudo que funciona bem em células cultivadas em tubos de ensaio funciona em animais ou pessoas. Isso acontece porque as condições no organismo são bem diferentes das de laboratório.
A cloroquina já foi testada em animais e/ou humanos, e não funcionou contra influenza, dengue, zika, nipah vírus, chicungunha, ebola e SARS. Para chicungunha, o remédio inclusive aumentou a contagem de vírus e a febre, quando testada em macacos.
O placar, até agora, está sete a zero para os vírus. Não há, ainda, nenhum registro de uma única virose onde o tratamento com cloroquina tenha dado certo.
A cloroquina já mostrou funcionar muito bem – em células de laboratório – para a Covid-19. E por enquanto, é tudo o que se pode afirmar.
A torcida é válida mas precisa ser racional. A cloroquina funciona em células, mas já foi visto que isso não garante nada. Se um teste bem conduzido mostrar bons resultados em humanos, que permita tirar conclusões sólidas, ainda será preciso determinar coisas como a dosagem e contraindicações. Sem isso, corre o risco muito concreto dos efeitos colaterais causarem um mal muito maior.
