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Ciclo junino: profissionais de diferentes áreas resistem e mantém viva tradição das quadrilhas em AL

Pessoas comuns apaixonadas pela cultura popular dedicam-se diariamente para garantir que o arrasta-pé continue existindo no estado

Por Malu Arruda 07/06/2025 07h07 - Atualizado em 07/06/2025 08h08
Ciclo junino: profissionais de diferentes áreas resistem e mantém viva tradição das quadrilhas em AL
Drag queen e rainha da Junina Dona Ciça, de Arapiraca, durante apresentação - Foto: Reprodução/Instagram

O que um professor, uma bailarina e um jornalista têm em comum? Durante o ano inteiro, eles se preparam para brilhar nas quadrilhas alagoanas, que circulam o estado e o Nordeste, mantendo viva a cultura e a tradição dos festejos juninos.

Para os integrantes de uma quadrilha junina, o trabalho para o ano seguinte começa em julho, logo após o fim dos festejos. Essas pessoas respiram a cultura popular e destinam um tempo do seu dia ou semana para que o São João de Alagoas exista.

Em meio aos espetáculos, os componentes paramentados, maquiados, nervos antes das apresentações sãio muitas vezes profissionais de outras áreas que encontram na tradição junina um respiro, um alívio e, por vezes, um grito de resistência e amor.

Muito além das danças e músicas, as equipes por trás de cada quadrilha junina são enormes e as agremiações contam com uma logística que é aprimorada ano após ano.

Evandro Coelho, professor durante o expediente e diretor administrativo da Luar do Sertão durante todo o dia, explica que além da direção principal, existem vários núcleos, como o marketing, mídias digitais, coreografia, figurino, beleza e outros.

São essas pessoas que começam a trabalhar muito antes dos ensaios com música e dança. “Assim que se encerra um ciclo junino, o outro já se inicia na busca de novas músicas, novos passos e ,principalmente, na busca de aporte financeiro e monetário para que o espetáculo continue existindo no ano que vem”, explica Coelho.

A bailarina e coreógrafa Marília Gonçalves, está há 12 anos participando de quadrilhas juninas e contou que é até simples participar de uma agremiação, mas é necessário ter compromisso e vontade de fazer o São João acontecer para muito além do mês de junho.

De acordo com ela, principalmente nas quadrilhas da capital, basta procurar as quadrilhas, geralmente na época em que os ensaios estão começando, por volta de outubro e novembro. A bailarina faz parte da direção e do núcleo de coreografia da quadrilha Santa Fé e também faz coreografias pequenas, como dos noivos, para outras juninas.

“Hoje a quadrilha virou uma coisa de grande porte, envolve logística, envolve dinheiro, premiações, toda vez que a quadrilha vai se apresentar tem um custo de transporte, não só dos componentes, mas também da produção, do cenário”.

Ela relata também que, apesar do esforço para realização de um espetáculo grandioso e à altura da tradição junina, por vezes os componentes se deparam com locais inadequados, enlamecidos pelas chuvas de junho, mesmo que todos saibam que esse período é de chuvas no estado. “Não há esse cuidado com a cultura em todos os locais. Deveria ter mais”.

Integrante da quadrilha Luar do Sertão

Fundada para garantir uma estrutura adequada, incentivar as agremiações e manter viva e organizada a cultura junina em Alagoas, foi fundada a Liga de Quadrilhas Juninas de Alagoas (LIQAL), presidida atualente por Washington do Nascimento.

Atualmente a Liqal tem 58 grupos culturais ativos de todo o estado. O objetivo da Liga, segundo o presidente, é fomentar esse trabalho feito pelas quadrilhas, idealizar os concursos em Alagoas e garantir emendas junto ao poder público para que o arrasta-pé continue existindo.

Fazer quadrilha junina é resistência


Em entrevista para o Jornal de Alagoas, o jornalista e presidente da quadrilha Pé de Serra – nascida no histórico e extinto bairro de Bebedouro, Deraldo Francisco reafirma que os custos para manter uma quadrilha em Alagoas são altos e que hoje ele dirige uma quadrilha de tamanho mediano, com cerca de 70 componentes, mas que existem grupos com 120 pessoas.

“Somente em sapatos nós já chegamos a gastar 7 mil reais. Já tirei dinheiro do meu bolso várias vezes para manter a quadrilha. O transporte, a alimentação, toda a logística de apresentações para essas 70 pessoas. Nos apresentamos já nas pré-juninas, antes do período de competições e festejos maiores. Apesar disso, a Pé De Serra é a única quadrilha que custeia 100% da roupa de seus componentes”, celebra.

Mais antiga do estado, a Pé de Serra arrasta a sandália em solo alagoano desde 1984, completando seus 41 anos de existência em 2025. Francisco, que nasceu em uma família cujo os irmãos já dançavam, fez do festejo estilo de vida e hoje até as próprias filhas compõe a Pé de Serra.

“Fazer quadrilha junina é resistência”, garante o experiente jornalista. No contexto atual, do bairro de Bebedouro sendo o principal afetado pelo crime ambiental da Braskem, ele explica que hoje a quadrilha mudou suas atividades, escritório e local para ensaio para o bairro do Ouro Preto, mas sob uma ressalva: “Porque o bairro de Bebedouro morreu, mas a nossa tradição não”, pontua, categórico. 

Além disso, Deraldo ressalta que as quadrilhas, para além do pertencimento cultural e do avivamento das tradições, movimentam a economia do estado, garantem empregos e fazem circular renda localmente. “Nós compramos tecidos, lantejoulas, aviamentos, nós locamos ônibus, nos reunimos para ensaiarmos, rodamos Alagoas para apresentar nossa arte, isso tudo tem um custo alto, mas que permanece em Alagoas, com exceções de peças pontuais que compramos fora do estado.

Quadrilha Luar do Sertão, símbolo da cultura alagoana

O produtor cultural e professor Evandro Coelho, confirma o simbólico ato de resistência que vão muito além das danças e do contar de histórias nordestinas presentes no espetáculo de uma quadrilha. Ele compara a tradição com a educação: “Usamos a arte como ferramenta de inclusão. A gente é um grupo em que todos os corpos dançam, todas as diferenças são acolhidas e dar essa visibilidade para pessoas em vulnerabilidade social é muito importante”.

A drag queen Gabrielly de Lima é uma dessas pessoas. Rainha da junina Dona Ciça de Arapiraca, ela diz que a cultura popular auxilia na quebra de padrões e paradigmas estabelecidos socialmente.

“Durante o mês de junho as pessoas deixam suas profissões de lado. Viram reis e rainhas dentro de um espetáculo, eles são vaqueiros, eles são sertanejos, eles são bonecos, Mateus e Catirina, então o mundo junino oferece infinitas possibilidades”, afirma a artista que é a vencedora do concurso de rainha da diversidade 2025.

Parte de minorias invisibilizadas como as comunidades negra e LGBTQIAP+ Gabrielly acrescenta a quadrilha lhe ensina algo, para além de sobreviver, é o sentimento de existir naqueles 45 dias desde às prévias até o começo de julho: "Esse é o momento em que oferecemos tudo o que faz a vida valer a pena: que é a alegria".