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El Niño influencia ecossistema marinho e pesca no Brasil, aponta estudo internacional

Fenômeno climático altera chuvas, rios e disponibilidade de nutrientes no Atlântico, com efeitos diretos sobre a pesca brasileira

Por Redação* 18/12/2025 10h10
El Niño influencia ecossistema marinho e pesca no Brasil, aponta estudo internacional
Fenômeno climático impacta chuvas, rios e pesca no Brasil - Foto: Agência Brasil

Um estudo divulgado nesta quinta-feira (18) na revista Nature Reviews Earth & Environment aprofunda o entendimento científico sobre os efeitos do El Niño–Oscilação Sul (ENOS) no Oceano Atlântico e seus reflexos no Brasil. De acordo com a pesquisa, o fenômeno climático pode definir se a atividade pesqueira aumenta ou diminui em diferentes áreas da América do Sul e da África.

O ENOS corresponde à alternância entre fases de resfriamento e aquecimento do Oceano Pacífico, conhecidas como La Niña e El Niño. Esse sistema acoplado resulta de variações na pressão atmosférica e nas circulações oceânicas e atmosféricas, com impactos que se estendem a outras bacias oceânicas.

A revisão científica reúne evidências de que o ENOS modifica padrões de chuva, ventos, temperatura, salinidade do oceano e a descarga de grandes rios. Essas alterações afetam a oferta de nutrientes e oxigênio nas águas marinhas, influenciando o fitoplâncton — base da cadeia alimentar — e, consequentemente, a abundância de peixes e crustáceos com relevância comercial.

Segundo os autores, os efeitos do fenômeno não ocorrem de forma uniforme e variam conforme a região, a espécie explorada e o período analisado. No Norte do Brasil, o El Niño atua pela via tropical e está associado à diminuição das chuvas na Amazônia, como registrado em 2023 e 2024. Com menos precipitação, há redução da pluma do rio Amazonas, responsável por levar nutrientes essenciais à costa do Norte e do Nordeste.

“Essa pluma, que chega à costa do Norte e Nordeste do Brasil, contém nutrientes que são a base da cadeia alimentar”, explica a professora Regina Rodrigues, da Universidade Federal de Santa Catarina, uma das autoras do artigo.

A diminuição desse aporte pode comprometer a produtividade pesqueira em determinadas áreas. Em contrapartida, pode favorecer a captura do camarão marrom, beneficiado pela menor turbidez da água e pela maior penetração da radiação solar.

No Sul do país, o El Niño se manifesta pela via extratropical e está relacionado ao aumento das chuvas, como ocorreu no Rio Grande do Sul em 2024. O maior volume de água doce e nutrientes tende a favorecer a pesca de algumas espécies. Já no Atlântico Sul central, o fenômeno está associado ao crescimento da captura da albacora, espécie de atum amplamente explorada comercialmente.

A pesquisa ressalta, entretanto, que essas respostas dependem da espécie, da estação do ano e até da década considerada na análise.

Para Ronaldo Angelini, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coautor do estudo, a proposta do trabalho é integrar processos físicos, biogeoquímicos e ecológicos para compreender melhor essas variações.

“Essa abordagem ajuda a explicar por que respostas observadas na pesca nem sempre são lineares ou consistentes ao longo do tempo”, afirma Angelini, sobretudo em um contexto de mudanças climáticas que alteram a frequência e a intensidade do ENOS.

O artigo também aponta lacunas relevantes no conhecimento, como a falta de séries históricas extensas de dados pesqueiros e limitações das observações por satélite, além de sugerir caminhos para aprimorar a capacidade de previsão.

“Esse roteiro viabiliza a construção de modelos quantitativos comparáveis com estimativas de incerteza, essenciais para separar sinais de ENOS de outras variabilidades”, explica o pesquisador.

Resultado de um projeto internacional financiado pela União Europeia, com participação de instituições da Europa, da África e do Brasil, o estudo destaca que não há uma resposta única do Atlântico ao ENOS. Para os autores, isso reforça a importância de estratégias de manejo adaptadas às realidades locais de cada estoque pesqueiro e de cada comunidade.

Diante da dimensão global do fenômeno, que dificulta o monitoramento por países de forma isolada, os pesquisadores defendem um sistema de monitoramento oceânico coordenado. A proposta inclui a ampliação de redes já existentes e a integração de observatórios costeiros, com protocolos comuns, dados interoperáveis e séries temporais comparáveis.

*Com informações da Agência Brasil