Ciência, tecnologia e inovação

Uma a três doses de álcool por semana já elevam risco de demência em 15%, diz estudo

Os hábitos de consumo de álcool foram avaliados por meio de questionários, e mais de 90% dos participantes relataram o uso da substância

Por Correio Braziliense 24/09/2025 11h11
Uma a três doses de álcool por semana já elevam risco de demência em 15%, diz estudo
Independentemente da quantidade, a bebida afeta o cérebro, diz pesquisa britânica - Foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press

A comunidade científica há muito discute a existência de uma dose segura de ingestão de álcool. Agora, um estudo publicado na revista BMJ Evidence Based Medicine, desafia a ideia amplamente aceita de que o consumo moderado da substância pode ser saudável. A pesquisa, a maior do tipo até hoje, combinou análise observacional e genética e sugere que qualquer quantidade de bebida alcoólica pode aumentar o risco de desenvolvimento de demência.

Conforme o trabalho, liderado por Anya Topiwala, cientista da Universidade de Oxford, no Reino Unido, recentemente, estudos observacionais indicavam que o consumo moderado de álcool poderia ter um efeito protetor sobre a saúde cerebral, especialmente em idosos. No entanto, esses ensaios não diferenciavam os participantes da forma adequada.

Para contornar esses problemas, os pesquisadores usaram dados de duas grandes bases biológicas: o Programa Milhão de Veteranos dos Estados Unidos e o Biobanco do Reino Unido. A amostra da pesquisa incluiu quase 560 mil pessoas com idades entre 56 e 72 anos, acompanhados por quatro a 12 anos. Durante esse período, 14.540 participantes desenvolveram algum tipo de demência, e 48.034 morreram.

Os hábitos de consumo de álcool foram avaliados por meio de questionários, e mais de 90% dos participantes relataram o uso da substância. Para identificar padrões de utilização excessiva, foi utilizado o Teste de Identificação de Transtornos por Uso de Álcool, que detecta ingestão etílica acima de seis doses por vez.

Alarmantes

Ao utilizar uma técnica chamada randomização mendeliana — metodologia estatística que reduz o impacto de fatores externos — as informações revelaram que o risco de demência aumenta linearmente conforme o aumento do consumo de álcool. Dados de grandes estudos genômicos envolvendo mais de 2,4 milhões de participantes confirmaram que, independentemente da quantidade, a substância está associada a uma maior chance genética de neurodegeneração. A ingestão adicional de uma a três doses semanais, por exemplo, elevou a probabilidade em 15%.

Além disso, os cientistas observaram que voluntários que desenvolveram demência reduziram o consumo de álcool nos anos que antecederam o diagnóstico. Isso sugere que o declínio cognitivo poderia ser a causa da diminuição, e não o contrário.

Os pesquisadores alertam para a importância de considerar o papel da substância no declínio cognitivo, especialmente em populações envelhecidas. "Os resultados do nosso estudo apoiam um efeito prejudicial de todos os tipos de consumo de álcool no risco de demência, sem nenhuma evidência que sustente o efeito protetor sugerido anteriormente do consumo moderado de álcool", reforçaram.

Conforme Renato Gama, neurologista e professor da Afya Educação Médica, o consumo de álcool é conhecido popularmente a respeito dos danos hepáticos, especialmente relacionados à cirrose e também aos malefícios cardiovasculares. "No entanto, nem sempre as pessoas têm conhecimento dos efeitos neurotóxicos a longo prazo", alerta.

Gama reforça ser muito comum as pessoas acreditarem que os efeitos do álcool sobre o sistema nervoso se limitam ao momento do consumo. "É importante que se lembre que o efeito a longo prazo de bebidas alcoólicas produz uma lesão neurológica que vai se estabelecendo com o tempo, produzindo diversos tipos de alterações, como a atrofia do cerebelo. Cada vez mais, a literatura médica aponta para as alterações em áreas que se relacionam às funções da cognição, em especial à memória."

Os autores do estudo divulgado ontem enfatizaram, ainda, que a redução do consumo de álcool pode ser uma estratégia importante para a prevenção da demência e destacam a necessidade de mais estudos sobre a relação entre a substância, a saúde cerebral e o envelhecimento. "O padrão de redução do consumo de álcool antes do diagnóstico de demência observado em nosso estudo ressalta a complexidade de inferir causalidade a partir de dados observacionais, especialmente em populações em envelhecimento", concluíram.