EVITE ERROS JURÍDICOS NA CONSTITUIÇÃO DE UMA SOCIEDADE EMPRESARIAL.

Muitos empreendedores, entusiasmados com a ideia de colocar seu negócio em prática, negligenciam uma etapa crucial: o planejamento legal e a constituição jurídica da empresa

Por Fernando Maciel 04/12/2025 12h12 - Atualizado em 04/12/2025 12h12
EVITE ERROS JURÍDICOS NA CONSTITUIÇÃO DE UMA SOCIEDADE EMPRESARIAL.
O advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e mestre em Direito pela UFPE/Ufal, Fernando Maciel - Foto: Reprodução

A jornada do empreendedorismo é repleta de desafios e oportunidades. No entanto, muitos empreendedores, entusiasmados com a ideia de colocar seu negócio em prática, negligenciam uma etapa crucial: o planejamento legal e a constituição jurídica da empresa. Ignorar os erros jurídicos comuns ao abrir uma sociedade empresarial pode parecer uma economia de tempo ou dinheiro no início, mas frequentemente se traduz em problemas futuros caros e até mesmo na inviabilização do negócio. Compreender e evitar esses equívocos é fundamental para a longevidade e o sucesso do empreendimento.

Entendendo a Sociedade Empresarial. Conceito e Relevância Jurídica:

Uma sociedade empresarial, do ponto de vista jurídico, é a união de duas ou mais pessoas (físicas ou jurídicas) com o objetivo de exercer uma atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, e a consequente partilha dos lucros. Essa estrutura legal é a base que define as regras do jogo: as responsabilidades dos sócios, a forma de gestão, a distribuição de resultados e a própria existência do negócio como uma entidade separada de seus proprietários. É o alicerce sobre o qual todo o futuro da empresa será construído.

Erro Jurídico 1: A Escolha Inadequada do Tipo Societário:

Um dos primeiros e mais impactantes erros jurídicos é a escolha incorreta do tipo societário. Cada modalidade jurídica – seja Limitada (LTDA), Anônima (S.A.), Sociedade Simples, ou outras – possui características distintas que afetam diretamente a responsabilidade dos sócios, a estrutura de gestão e o regime tributário. Uma decisão equivocada nesta fase pode gerar problemas de grande escala, como a exposição do patrimônio pessoal dos sócios, uma carga tributária desnecessariamente alta ou dificuldades na administração e entrada/saída de investidores.

Sociedade Limitada (LTDA): A responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de suas quotas integralizadas no capital social. É o tipo mais comum e recomendado para a maioria das pequenas e médias empresas, oferecendo boa proteção ao patrimônio pessoal.

Sociedade Anônima (S.A.): Indicada para grandes empresas que buscam abrir capital ou ter muitos investidores. A responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações que possuem. Possui uma estrutura de governança mais complexa e custos de manutenção mais elevados.

Sociedade Simples: Voltada para a prestação de serviços de natureza intelectual, científica, literária ou artística por profissionais liberais. A responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada, dependendo do que for estipulado no contrato social.

Empresário Individual (EI) e Sociedade Limitada Unipessoal (SLU): Embora não sejam "sociedades" no sentido estrito de ter múltiplos sócios, são opções importantes para quem empreende sozinho. A SLU, em especial, oferece a proteção da responsabilidade limitada ao patrimônio da empresa, sem a necessidade de um segundo sócio.

A análise cuidadosa de fatores como o número de sócios, o capital disponível, a atividade a ser desenvolvida e o plano de crescimento é vital para acertar na escolha e evitar dores de cabeça futuras.

Erro Jurídico 2: Contrato Social Genérico ou Mal Elaborado:

O Contrato Social é a "lei interna" da empresa e dos seus sócios. Ele define as regras de funcionamento, os direitos e deveres de cada parte e a forma como as decisões serão tomadas. Utilizar um modelo genérico encontrado na internet, ou redigir um contrato de forma superficial, é um dos erros jurídicos mais graves. Um Contrato Social mal elaborado pode ser a semente de futuras disputas, levando a impasses sobre a divisão de lucros, divergências na tomada de decisões estratégicas, dificuldades na entrada ou saída de sócios e problemas na sucessão empresarial.

Um bom Contrato Social deve abranger, no mínimo, os seguintes elementos essenciais:

Qualificação Completa dos Sócios: Identificação clara de todos os envolvidos, incluindo dados pessoais e participação no capital.

Objeto Social Detalhado: Descrição clara e específica das atividades que a empresa irá exercer. Isso é crucial para o CNPJ e licenças.

Capital Social e Integralização: O valor total do capital, a participação de cada sócio e a forma como será integralizado (dinheiro, bens).

Administração da Sociedade: Quem será o administrador (ou administradores), seus poderes e responsabilidades.

Pró-labore e Distribuição de Lucros: Regras claras sobre a remuneração dos sócios-administradores e a distribuição dos resultados.

Regras para Entrada e Saída de Sócios: Como novos sócios podem ingressar e como os atuais podem se retirar, incluindo cláusulas de compra e venda de quotas.

Resolução de Conflitos: Mecanismos para solucionar divergências entre os sócios, como mediação ou arbitragem.

Cláusulas de Sucessão: Previsão para casos de falecimento ou incapacidade de um sócio.

Erro Jurídico 3: Desconhecimento das Responsabilidades dos Sócios:

É comum, especialmente entre novos empreendedores, haver confusão entre a pessoa física dos sócios e a pessoa jurídica da empresa. Essa distinção é a base da segurança jurídica e da proteção patrimonial. O desconhecimento ou a ignorância intencional dessa separação pode levar a sérias implicações. Dependendo do tipo societário escolhido, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada (restrita ao valor de suas quotas no capital social) ou ilimitada (podendo atingir o patrimônio pessoal).

Em empresas como a Sociedade Limitada, a responsabilidade é geralmente limitada. No entanto, em casos de má-fé, fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (quando os bens da empresa e dos sócios se misturam), os juízes podem determinar a desconsideração da personalidade jurídica. Isso significa que o patrimônio pessoal dos sócios pode ser usado para saldar dívidas da empresa. Administradores também podem ter responsabilidade pessoal por atos de gestão irregulares, dívidas fiscais ou trabalhistas não pagas. É crucial entender que a proteção da responsabilidade limitada não é um salvo-conduto para a irresponsabilidade, mas sim um benefício que exige conduta empresarial ética e legal.

Erro Jurídico 4: Falha nos Registros Legais e Obtenção de Licenças:

A formalização de uma sociedade empresarial não termina com a assinatura do Contrato Social. É imperativo que a empresa seja devidamente registrada em diversos órgãos competentes. A falha nesse processo é um dos erros jurídicos que impedem o negócio de operar legalmente, expondo-o a riscos inaceitáveis.

Os principais registros e licenças incluem:

Registro na Junta Comercial: Essencial para a empresa adquirir personalidade jurídica e existir legalmente.

Inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) junto à Receita Federal: O CNPJ é o número de identificação da empresa e indispensável para qualquer operação fiscal, bancária ou comercial.

Inscrição Estadual (IE): Para empresas que comercializam produtos, fundamental para o recolhimento do ICMS.

Inscrição Municipal: Para empresas de serviços, visando o recolhimento do ISS.

Alvará de Funcionamento: Emitido pela prefeitura, autoriza a empresa a funcionar em determinado endereço e com certas atividades.

Licenças Específicas: Dependendo do setor de atuação, podem ser necessárias licenças sanitárias (ANVISA), ambientais (IBAMA, órgãos estaduais), do Corpo de Bombeiros, entre outras.

Registro em Conselhos de Classe: Para atividades regulamentadas, como advocacia, contabilidade, engenharia, etc.

A omissão ou o atraso na obtenção desses registros e licenças pode gerar multas pesadas, interdição do estabelecimento, impossibilidade de emitir notas fiscais, de contratar funcionários, de acessar crédito bancário e, em casos extremos, a ilegalidade completa do negócio. Operar sem as devidas permissões é um caminho certo para o fracasso e para sanções legais.

Os erros jurídicos mencionados podem ter um efeito cascata devastador para qualquer sociedade empresarial. As consequências são variadas e podem minar a fundação de um negócio promissor. Podemos citar:

Multas e Sanções: Aplicadas por órgãos fiscalizadores devido à falta de registros, licenças ou descumprimento de normas.

Processos Judiciais: Disputas entre sócios, ações trabalhistas por irregularidades, processos de consumidores, ou litígios com fornecedores/clientes.

Dissolução da Sociedade: Em casos de conflitos insanáveis entre sócios ou inviabilidade legal/financeira decorrente de erros.

Prejuízos Financeiros: Custos inesperados com advogados, multas, indenizações e perda de oportunidades de negócio.

Danos à Reputação: Prejudica a imagem da empresa e a confiança de clientes, fornecedores e investidores.

Exposição do Patrimônio Pessoal: A desconsideração da personalidade jurídica pode levar os sócios a responderem com seus bens particulares pelas dívidas da empresa.

Evitar esses problemas exige uma abordagem proativa e estratégica. Algumas ações essenciais incluem:

Busque Assessoria Jurídica Especializada: Contrate um advogado empresarial desde a concepção do negócio. Ele auxiliará na escolha do tipo societário, na elaboração de um Contrato Social robusto e na compreensão das responsabilidades dos sócios.

Conte com Assessoria Contábil Qualificada: Um bom contador é indispensável para o planejamento tributário, registros fiscais e conformidade com as obrigações contábeis.

Realize um Planejamento Legal Detalhado: Mapeie todas as exigências legais, licenças e alvarás necessários para o seu setor e local de atuação antes mesmo de iniciar as operações.

Revise Periodicamente a Documentação: As leis e as condições do negócio mudam. Faça revisões anuais do Contrato Social e de outras documentações para garantir que estejam sempre atualizadas e em conformidade.

Cumpra Rigorosamente as Obrigações: Esteja sempre em dia com impostos, taxas, registros e licenças. A prevenção legal é a melhor estratégia.

A fase de abertura de uma sociedade empresarial é um momento de grande expectativa e energia. Contudo, é também o período onde as fundações são lançadas e onde a prevenção jurídica se mostra não como um custo, mas como um investimento estratégico fundamental. Cuidar dos aspectos legais desde o início garante uma base sólida, segura e legalmente conforme para o seu negócio, protegendo seus sócios, seu patrimônio e sua visão. Não subestime a importância de buscar ajuda profissional qualificada – advogados e contadores especializados – para navegar pelo complexo cenário legal. Essa é a chave para construir uma empresa de sucesso, resiliente e duradoura.

Falando de Direito

Blog do advogado, professor de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal ), membro da Academia Alagoana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. 

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Sobre o blog

ADVOGADO, PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, MEMBRO DA ACADEMIA ALAGOANA DE LETRAS ONDE OCUPA A CADEIRA NÚMERO 18 QUE TEM POR PATRONO MANOEL JOAQUIM FERNANDES DE BARROS E DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE ALAGOAS NA CADEIRA NÚMERO 27 QUE TEM POR PATRONO ANTÔNIO GUEDES DE MIRANDA E DA CONFRARIA QUEIROSIANA –AMIGOS DO SOLAR CONDES DE RESENDE – NO GRAU DE LEITOR – VILA NOVA DE GAIA – PORTUGAL. AUTOR DOS LIVROS : “FALANDO DE DIREITO.”- EDITORA CATAVENTO – MACEIÓ,AL.- 2008, “POEMAS DA ADOLESCÊNCIA.” - EDITORA CATAVENTO – MACEIÓ,AL.- 2008; “POEMAS ILEGAIS E OUTROS VERSOS” – IMPRENSA OFICIAL GRACILIANO RAMOS – MACEIÓ, AL. – 2015; “ VÍCIOS REDIBITÓRIOS” IN A TEORIA DO CONTRATO E O NOVO CÓDIGO CIVIL. EDITORA NOSSA LIVRARIA – RECIFE, PE – 2003; “CAPACIDADE E ENTES NÃO PERSONIFICADOS” – EDITORA JURUÁ- CURITIBA, PR – 2001.

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