Bolsonarismo sofreu derrota devastadora com voto bombástico de Fux contra Fux
Sem liberdade, ministro teria absolvido Bolsonaro atacando posições dos colegas dentro da Corte?

A condenação de Jair Bolsonaro era esperada, pule de 10 em qualquer roda de apostas, assim como a dos outros sete integrantes do primeiro grupo de golpistas julgados pelo Supremo Tribunal. A montanha de elementos probatórios da trama contra o estado democrático de direito não deixava dúvida.
Mas o conjunto social - a nação inteira - tinha plena convicção de que, na 1ª Turma do Suprema Corte, o placar seria 5x0. Acachapante, contundente, sem nenhum sinal de divergência e muito menos de discórdia. E o que alimentava tal certeza? A unânime aceitação da denúncia e, a seguir, a condenação de centenas dos golpistas, isto, cinco meses atrás.
Engano total. Seria o resultado 'ideal' para respaldar e confirmar o discurso bolsonarista de que o julgamento iniciado na terça-feira, dois de setembro, não passaria de um 'jogo de cartas marcadas'. Um tribunal 'parcial, truculento e politizado' não permitiria divergência nem contestação (salvo partindo dos advogados de defesa) na hora da mandar os acusados para a cadeia, Bolsonaro à frente.
Mas essa convicção era peça de um discurso, não um parâmetro da realidade. Os que, diante dos fatos, das evidências e dos indícios probatórios dos atentados perpetrados com odiosa violência na destruição dos poderes em Brasília, 'fecharam os olhos' para defender seu líder, tinham noção de que algo muito grave fora arquitetado para devolver o poder a Jair Bolsonaro. E sabiam, desde o tempestuoso 8 de janeiro, que o julgamento viria e com muitas condenações. Justo por isso, ninguém apostaria num voto abertamente discordante, contestatório, dir-se-ia uma espécie de 'voto bolsonarista'.
Mas aconteceu. O ministro Luiz Fux passou quase 14 horas falando, argumentando, buscando provar o que não precisava ser provado, isto é, que 'não houve um golpe de estado'. Claro, se o golpe tivesse se consumado - com os militares, por exemplo, saindo às ruas com tanques e armas, cercando os poderes, dispersando os manifestantes e proclamando a intervenção - o governo Lula teria acabado e estaria aberto o caminho para o retorno, à força, de Bolsonaro ao poder. Mais óbvio, impossível. Mas a tentativa houve, com ideias, planos e esquemas.
Contudo, o Fux que contestou o Supremo como foro para julgamento dos golpistas, foi o mesmo que, meses atrás, concordou com a denúncia da PGR e, portanto, considerou a Corte Suprema como instância apta para julgar os denunciados. Mais: Fux absolveu Bolsonaro e outros cinco réus, mas condenou o general Braga Neto e o coronel Mauro Cid, este, autor da delação que permitiu à Polícia Federal definir o roteiro das investigações que culminaram com a demonstração de culpabilidade dos envolvidos no esquema golpista. Ora, se não houve trama golpista, por que condenar envolvidos?
Em suma, o voto quilométrico de Luiz Fux chamou a atenção pelas flagrantes contradições, por colocar o ministro, a um só tempo, contra e a favor de determinado quesito - uma espécie de Fux contra Fux - mas foi, igualmente, um voto bombástico porque atingiu, com força devastadora, o discurso bolsonarista sobre a falta de liberdade de opinião no Brasil.
Imagine: se o cidadão não pode dizer, livremente, que os ministros do Supremo estão mancomunados, unidos em conluio para perseguir Bolsonaro, o que dizer de um integrante do Supremo, em pleno julgamento e diante dos colegas, atacar as posições, afirmar que o julgamento deveria ser considerado nulo e sustentar a inocência do ex-presidente e da maioria dos julgados?
E foi o que se viu. A manifestação de Fux foi tão forte e terminante, que muitos dos bolsonaristas (sobretudo políticos), não apenas comemoraram, mas disseram que estavam com a 'alma lavada'. Tão demolidor, que na sessão final do julgamento, os ministros Alexandre Moraes e Flávio Dino, que haviam votado inicialmente, tiveram de rebater pontos do discurso inflamado.
Decerto Fux não teve a intenção de demonstrar o 'óbvio ululante', ou seja, a liberdade que todos têm de expressar o que sentem e o que consideram correto ou errado, mas o seu voto, tão aplaudido pelo coro bolsonarista, demoliu por completo a tese de que no Brasil não se pode criticar e muito menos acusar. Se pode dentro do próprio Supremo Tribunal, o que dizer fora dele?
PONTOS A PONDERAR
• Condenado a 27 anos e três meses de prisão, Bolsonaro nunca disse porque, no domingo da destruição dos poderes na capital da República, lá dos Estados Unidos onde se encontrava, não tomou a iniciativa de se comunicar com o Brasil e orientar um de seus amigos de plantão, assessores e aliados proeminentes - um Silas Malafaia, Valdemar Costa Neto ou Tarcísio de Freitas - no sentido de embarcar em um jatinho, viajar até Brasília para, em seu nome, ao menos 'tentar' dispersar os manifestantes...
• O que ainda pode vir, se é que virá, não se pode prever. Mas a reação de Donald Trump à condenação de Bolsonaro não conteve o mesmo tom raivoso de antes. Com a agenda abarrotada de problemas para resolver, fora e dentro dos EUA, Trump parece (apenas parece) sinalizar que o 'problema Bolsonaro' é bem menor do que, por exemplo, a violência interna que dá sinais de descontrole em várias regiões dos Estados Unidos. Isso, sem falar no desafio inflacionário americano e no avanço da China como nova e desafiadora potência econômica e comercial.