O erro capital que abriu caminho para transformar Bolsonaro em ameaça à democracia
Eleito junto com os filhos, Jair não poderia ter atacado o sistema de votação que o consagrou

Enquanto cumpre prisão domiciliar e aguarda a evolução dos acontecimentos, Jair Bolsonaro mexe com a memória popular remetendo ao erro capital que cometeu ao formar a equipe com a qual governaria o Brasil a partir de janeiro de 2019. Erro que lhe custou a derrota para um Lula resgatado da prisão pelo Supremo Tribunal Federal.
Hoje, cabe a indagação: que presidente nomearia para ministro da Fazenda um inimigo visceral do servidor público e dos aposentados? Pois foi precisamente o que fez Jair Bolsonaro. Ocupando o Palácio do Planalto, escalou o especulador Paulo Guedes para cuidar das finanças públicas da União. O resultado todos conhecem: economia estagnada, inflação fora de controle e pobres ignorados.
Recordando: Bolsonaro se elegeu presidente como algo ‘novo’, tal como Collor. É o velho fenômeno da saturação popular. O povo cansou dos políticos tradicionais e acabou punindo nomes como Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola. Collor, no pós-Sarney, prometia mudar tudo, para melhor, claro. Deu no que deu.
Bolsonaro nunca foi atuante. Deputado com sete mandatos, era um desconhecido. Nenhum projeto factível, nenhuma proposta inovadora. A fama que ganhou, como deputado, foi por conta das ‘rachadinhas’. Mas surgia com cara de ‘novo’ e, como ex-capitão do Exército, logo passou a ser visto como um ‘salvador’ da ordem e dos bons costumes.
Na presidência, porém, não copiou Collor – nada de confisco da poupança, concebido por Zélia Cardoso de Mello, escolhida para ser ministra da Fazenda. Em contrapartida, escalou Paulo Guedes para tratar os servidores públicos como ‘vagabundos’ e os idosos aposentados, como ‘parasitas’. Foram vários os erros políticos do ex-capitão, mas a indicação de Guedes superou todos.
Analistas avaliam que, se tivesse se livrado do ministro ‘financista’ ao primeiro sinal de desfeita com o funcionalismo, Bolsonaro teria conseguido a reeleição. Também teria evitado os eventos que abriram caminho para torná-lo inelegível. Não precisaria atacar o sistema eleitoral nem se indispor com o Supremo Tribunal.
A rejeição à vacina contra Covid também pesou, mostrou um presidente remando na contramão da ciência, enquanto a pandemia se alastrava matando milhares de ricos e pobres. Nem isso, porém, constituiu o maior erro político de Bolsonaro.
Ao propor acabar com o serviço público, instituindo a terceirização de servidores (excetuando médico, advogado e engenheiro), Paulo Guedes tirou de Bolsonaro a fatia de eleitores que asseguraria a vitória de Lula. O ex-capitão se deu conta do estrago em cima da hora, através de pesquisas qualitativas, mas era tarde, já não adiantava mexer com o ministro virótico.
Restou a tese insana da fraude eleitoral, das urnas vulneráveis, as mesmas urnas que o elegeram presidente e os filhos, senador, deputado e vereador. A tese que o tornou inelegível, empurrou-o para a insana ideia de reverter o resultado eleitoral a todo custo e abriu caminho para colocá-lo no centro de uma trama cujo objetivo era acabar com o estado democrático de direito.