O pai, o filho e o espírito carioca: mendicância milionária e blindagem contra prisão
‘Intolerância à cadeia’ pode valer mais do que a tese de um bom advogado

Remanescente dos grandes e saudosos carnavais cariocas, Jair Bolsonaro poderia ter se inspirado no clássico ‘Me dá um dinheiro aí’, interpretado pelo impagável Moacir Franco. Com dívida judicial graúda e cobrança à vista, sairia por aí apelando para a comiseração de amigos e, claro, de eleitores e fãs. Mas desconfiou da eficácia, do método improvável. Precisava de muita grana.
Sem a presidência, sem ‘rachadinhas’ e com multas a pagar por transgressões legais, o marido de Michelle pensou no efeito de uma ‘vaquinha’, mas desistiu por motivo óbvio: mecanismo lerdo, ultrapassado, aciona muita gente e arrecada pouco. Essa história de “me dá um dinheiro aí” já era. Com certeza.
Sem reserva para se livrar de sete condenações que o fizeram devedor de R$ 1 milhão à Justiça, o contumaz ex-presidente vivia momentos de agonia quando, de repente, ouviu a dica providencial do filho Carlos: “Pede um Pix”.
- Por que não pensei nisso? – disse consigo mesmo o veterano capitão abrindo um sorriso de alívio. Um Pix. “Gente, não tenho como pagar minha dívida com a Justiça, vou precisar de um Pix de vocês”, ensaiou. No dia seguinte, a conta estava aberta, número disponível. Em fração de segundos, um vendaval de Pix, dilúvio de doações.
O pai de Carlos ria à-toa e se perguntava “até aonde vai essa onda?”, quando foi alertado: “Hora de parar, já arrecadamos R$ 17 milhões”, suficiente para quitar 17 vezes sua dívida”, bradou o filho chamando a atenção para inevitáveis ‘interpretações maldosas’. “Nesse Brasil não se pode nem pedir esmola”, atacou.
Com os olhos arregalados diante dos números, o ex-pedinte Bolsonaro deduziu o valor das multas e tratou de mandar aplicar o saldo milionário, murmurando: “Obrigado, Campos Neto, com essa taxa de juros no espaço estou feito”. Referia-se ao presidente do Banco Central que ele próprio nomeara.
Mas Carlos enxergava distante e logo previu que a trama golpista para derrubar Lula obrigaria o pai a contratar um batalhão de advogados. “Chumbo grosso, vai minar as aplicações, vamos precisar de nova convocação”.
- Pai, disse o vereador, com autoridade, assim que o intestino atacar, a gente entra com nova conta Pix. A justificativa é óbvia e convincente: só pra iniciar a defesa, os causídicos embolsaram oito milhas, quer dizer, R$ 8 milhões. Metade da coleta passada. Mas não faça pessoalmente, acione um aliado, o Gilson Machado, pernambucano da cepa, ele é bamba tratando-se de Pix.
Com o intestino quieto, Bolsonaro se deleitava curtindo os palpites geniais de Carlos, mas não tinha ideia de como poderia se safar da encrenca mais pesada: a inafastável ameaça de prisão por causa da armação golpista. Foi quando o vereador, penetrando-lhe o pensamento, socorreu.
- Sim, pai, comece a dizer que não pode ser preso.
- Como assim? Por que não posso ser preso?
- Alegue que não vai aguentar. Diga que, se for preso, morrerá doente, todo borrado, na cadeia”.
O antigo recruta absorveu de pronto a dica desesperada, escancarou o medo de embarcar - em postagem nas redes sociais - e acabou alertando aliados igualmente em débito com a Justiça. A faroeste Carla Zambelli, já condenada a passar 10 anos em cana e a pagar multa exemplar, apressou-se em disponibilizar chave Pix e também anunciou que, toda combalida, morrerá no presídio.