Mães do Cárcere: o amor que resiste às grades
O sistema penal brasileiro aprisiona, em sua maioria, homens jovens, negros e pobres. Mas a punição não se restringe a eles. Suas mães, muitas vezes chefes de família, acabam sendo condenadas junto

No segundo domingo de maio, celebramos o Dia das Mães. Mas há mães que, ano após ano, não recebem flores nem café na cama. Elas enfrentam filas, revistas vexatórias e a dor crua de ver seus filhos atrás das grades. Esta coluna é sobre elas: as mães dos encarcerados — mulheres invisibilizadas pela sociedade, criminalizadas pelo afeto e esquecidas nas políticas públicas.
O sistema penal brasileiro aprisiona, em sua maioria, homens jovens, negros e pobres. Mas a punição não se restringe a eles. Suas mães, muitas vezes chefes de família, acabam sendo condenadas junto: ao abandono, à vergonha pública e ao sofrimento cotidiano.
Essas mulheres enfrentam um misto de culpa, desamparo e luta. Muitas não têm condições financeiras sequer de visitar os filhos com frequência. Outras enfrentam jornadas exaustivas para manter vivos os laços afetivos — levando comida, cartas e até documentos que o Estado exige, mas não fornece.
Elas também são vítimas do preconceito. A sociedade olha com desdém para quem “criou um bandido”, como se fossem cúmplices ou corresponsáveis. Poucos se perguntam quantas dessas mães enfrentaram a solidão, a fome e a ausência do Estado antes de ver um filho cair no ciclo da criminalização.
Dados que reforçam essa realidade:
• O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 909 mil pessoas encarceradas até o segundo semestre de 2024. 
• Cerca de 70% da população carcerária é composta por pessoas negras, evidenciando o racismo estrutural presente no sistema penal. 
• Entre as mulheres encarceradas, 65% são negras, e 54% têm até o ensino fundamental completo, demonstrando a seletividade penal que recai sobre mulheres negras e de baixa escolaridade. 
• Em junho de 2024, das 50.646 mulheres presas no Brasil, 11.737 eram mães, o que equivale a 43,6% da população prisional feminina. 
• Apenas 21% das unidades prisionais oferecem celas ou dormitórios adequados para gestantes, e somente 16% possuem berçários. 
• No primeiro semestre de 2024, havia 212 gestantes e 117 lactantes no sistema prisional brasileiro. 
• Além disso, 44% das unidades penitenciárias que abrigavam gestantes ou lactantes informaram não permitir a permanência das crianças com as mães por falta de infraestrutura ou outros motivos. 
Neste Dia das Mães, olhe além do comercial. Lembre-se das mães que não verão os filhos neste domingo. Mães que amam com a força de quem desafia o sistema, com a coragem de quem atravessa quilômetros e humilhações por uma visita de 15 minutos.
Enquanto houver prisão em massa, haverá dor em massa. E, no centro dessa dor, estará quase sempre uma mãe.

Sandra Gomes é mãe, mulherista e ativista social. Advogada Criminal, Pós Graduanda em Direito Penal e Processual Penal, Pós Graduanda em Direito Médico. É ex Presidente da Comissão da Igualdade Racial da Abracrim AL e Ex Vice Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL.