Adalberto Souza

CULTURA

Domingo é dia de morrer – José Valdemar de Oliveira

17/03/2017 07h07

“ Cada espelho reflete uma fisionomia de minha pessoa. Sempre me busco neles, sem contudo me achar. Se negam a dizer quem sou. Têm medo de mim? Hahahahahahaha. Ou querem insinuar que tenho diversas faces. Será? Hum.” (p.77)

 

         José Valdemar de Oliveira é um escritor vigoroso. Sua literatura é peso pesado num octógono de batalhas ferozes. A raiva, o ódio, rancor e a angústia, distribuídos ao longo dos nove contos dosados na medida certa é um grito desesperado no escuro, daquele que se ouve e não se sabe de onde vem. Seu mais recente livro Domingo é Dia de Morrer (Editora Penalux) é mais uma prova de sua versatilidade.

         Sua ficção é tão passível e verossímil que o estranhamento inicial torna-se algo mais possível e assustador pela possibilidade, pela proximidade (quem sabe um vizinho, um parente, um amigo, em uma situação retratada no livro, vivendo extenuantemente num extremo de suas emoções).

As situações em questão são extremas e exigem atitudes desesperadas e urgentes e o leitor é tomado de assalto, já montando possíveis soluções para algo aparentemente insolúvel. A morte da filha (Minha menininha, p. 61), o sentimento ou a falta dele num garotinho que acaba de perder o pai (Profana inocência, p. 49), mas não perde o casamento do palhaço, sua angústia e sofrimento pelo advindo, são sensações claustrofóbicas e conduzidas de tal forma que praticamente nos sentimos juntos naquela plateia, olhando aquele menino, sentindo sua culpa e ouvindo seu grito.

No conto que dá título ao livro (p 35), Valdemar explora aqueles sentimentos em turbilhão que assaltam o domingo, que acabam culminando numa tempestade contraditória. Algo entre tédio e euforia, uma vontade de ir, ficando ao mesmo tempo. Um sentido perdido de espaço-tédio-tempo, tal qual aquela música que fica martelando incansavelmente o desatino de estar em casa, sozinho num domingo à noite. O autor expõe tudo isso de forma linda e cruel. 

O conto é uma ressaca de tudo e de nada ao mesmo tempo, como o domingo parece ser. Cruel e cortante, cheio de questionamentos e confrontações e também de manter os diálogos internos mais vividos e transbordantes de verdades inventadas, aquela para justificar o que não pode existir. O autor continua afiado do início ao fim, não perde o fôlego e esse conto é para ser lido assim, de um fôlego só. 

Tal como em seus outro livros,  a escrita do autor continua viciante, não dá para largar sem antes saber o que acontece, o fluxo de pensamento em suas personagens é tão intrincado e instigante que já nas primeiras linhas nos sentimos coparticipes com cada uma delas. Ao tratar as vicissitudes e seus desdobramentos, o autor nos faz partilhar também vividamente da vida de cada personagem como se elas estivessem ali, a um braço de distância.

No conto O mensageiro (p. 21), tal como um Gregor Samsa, o cidadão acorda e não sabe mais quem ele é, metamorfoseado em uma coisa inerte e cheia de tentáculos mentais, buscando coisas e situações que possam explicar quem ele poderia ser até a epifania final, onde realmente metamorfoseado, aparece em uma realidade inebriante e totalmente diferente da sua, uma criatura “perfeitamente imperfeita”

Essa é uma das características da literatura do Valdemar, uma urgência em ser e saber e ser tudo logo de uma vez, arrancar de uma vez o esparadrapo que encobre parcamente a ferida escondida, sofregamente pronta para doer.

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