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Brasil não tem informações de metade das espécies de peixes usadas na atividade comercial

Documento alerta para a falta de conhecimento sobre os estoques pesqueiros e a necessidade de adaptação da atividade no país diante da emergência climática

Por Globo Rural 14/08/2025 09h09
Brasil não tem informações de metade das espécies de peixes usadas na atividade comercial
Para os estoques de peixes com diagnóstico disponível, 68% já estão sobrepescados, ou seja, estão reduzidos pela pesca excessiva - Foto: Ricardo Gomes/Oceana

O Brasil ainda não tem informações sobre metade das espécies de peixes marinhos que são alvo de pesca comercial. Dados da Oceana, organização sem fins lucrativos dedicada à conservação dos oceanos, reunidos na quinta edição da Auditoria da Pesca, alertam para a falta de conhecimento sobre os estoques pesqueiros e a necessidade de adaptação da atividade no país diante da emergência climática.

O documento foi lançado nesta quarta-feira (13), em evento em Brasília. A auditoria revelou que não existem diagnósticos sobre a situação de 47% dos estoques de espécies marinhas e estuarinas (de áreas costeiras onde um rio encontra o mar) que são alvo da pesca comercial. Para os estoques com diagnóstico disponível, 68% já estão sobrepescados, ou seja, estão reduzidos pela pesca excessiva.

O estudo avaliou também indicadores de gestão das pescarias costeiro-marinhas no país, a situação das populações de pescados, o monitoramento, ordenamento e controle das frotas, além do orçamento público e da transparência das informações disponibilizadas sobre as pescarias artesanais e industriais.

“Os indicadores tiveram, pontualmente, alguma melhora nos últimos anos e estabilizaram em níveis ainda insuficientes. E não dá para falar em sustentabilidade quando sequer conhecemos a situação dos estoques”, disse Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana.

Um exemplo citado é o da sardinha-verdadeira. Apesar de haver informações sobre a importância econômica, social e nutricional da espécie, não existe ainda uma avaliação do estoque nem um plano de gestão da pescaria, cuja produção é diretamente afetada pelas mudanças climáticas, disse o dirigente.

A auditoria apontou, por exemplo, que a adesão a ferramentas que poderiam ajudar a reverter esse problema segue baixa, com 94% dos estoques ainda sem limites de captura e 92% deles sem plano de gestão. Metade das pescarias não possuem quaisquer regras de ordenamento, disse a Oceana. O problema é mais comum nas regiões Norte e Nordeste.

Segundo o estudo, apenas 12% das pescarias possuem medidas para reduzir as capturas incidentais de espécies que não são alvo da atividade.

“Na base de uma boa gestão pesqueira estão sempre os dados e as informações. São eles que fundamentam as decisões, transformando a ciência em regras para guiar o uso equilibrado dos recursos e para combater atividades ilegais. Sem dados, monitoramento, previsão e adaptação, como a pesca e as pescarias brasileiras estarão preparadas para enfrentar um ambiente em acelerada transformação, como o que estamos vivendo?”, questiona Zamboni.

Mudanças climáticas

Outro alerta feito pela Oceana foi em relação à adaptação climática. Segundo a entidade, a falta de conhecimento em geral sobre a pesca e os recursos pesqueiros no Brasil torna ainda mais desafiador o cenário da atividade diante das alterações do clima.

A Auditoria da Pesca apontou que as mudanças climáticas têm gerado prejuízos para a atividade e para os recursos pesqueiros em várias partes do mundo e afetam, diretamente, as comunidades pesqueiras dependentes desses recursos. As alterações da temperatura das águas, por exemplo, influenciam a distribuição das espécies. É o caso da abrótea e da merluza, muito exploradas no Sul e no Sudeste do Brasil, que tendem a migrar para águas mais frias na costa da Argentina e do Uruguai.

Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a alta nas emissões de gases de efeito estufa e a elevação da temperatura global podem levar a uma queda de 10% da produção pesqueira mundial até 2050, podendo chegar a 30% até o final deste século.

Eventos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul e com a seca na Amazônia em 2024, vão desencadear impactos crônicos para a pesca, além de sucessivas crises humanitárias, disse a Oceana.

“O divisor de águas entre os países que vão ser bem-sucedidos e os que vão fracassar está, justamente, nas estratégias de adaptação e contenção de danos”, disse o diretor-científico da entidade, Martin Dias. Segundo ele, Estados Unidos, Argentina, Chile e Peru têm se preparado, com mecanismos de controle rigorosos e planejamentos de longo prazo, como a possibilidade de quebras de safra e escassez de pescados.

De acordo com a entidade, vários problemas apontados pelo estudo podem ser mitigados com a aprovação do Projeto de Lei nº 4789/2024, em discussão no Congresso Nacional. A proposta prevê a modernização da legislação pesqueira, com mecanismos que promovem uma pesca sustentável, baseada na ciência, na participação social e em planos de gestão que incluem ferramentas para adaptação das pescarias, disse Dias.

A auditoria ainda apontou que o orçamento do Ministério da Pesca e Aquicultura, recriado no governo Lula 3, foi 85% maior em 2024 em relação ao ano anterior, mas, ainda assim, é o segundo menor da Esplanada.