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A arte LGBT em Maceió: em busca de uma valorização além dos palcos

Por Franklin Lessa 11/11/2018 13h01
A arte LGBT em Maceió: em busca de uma valorização além dos palcos
Maju Shanni em foto para divulgação de sua nova música. Foto: Woulthamberg Rodrigues - Foto: Woulthamberg Rodrigues

Pabllo Vittar, Glória Groove, Lia Clark. Nomes já conhecidos nacionalmente, as Drag Queens vêm cada vez mais tomando espaço na mídia pop comercial. Com lançamentos recentes, os números provam que mesmo após 3 anos no mercado, elas mantêm um público consolidado que tende a crescer. Apesar do aumento do consumo desse tipo de arte em âmbito nacional, o segmento local ainda sofre com a desvalorização.

Erick Hanon, é maceioense, tem formação em Teatro pela Escola Técnica de Artes da Ufal (ETA) e há 3 anos decidiu se tornar drag queen, personagens criados por artistas performáticos.  O ator viu nesse meio uma maneira de expandir seus talentos no mercado, e assim nasceu Maju Shanii.

Além, da necessidade profissional, assumir a personagem estimulou o autoconhecimento do artista. “Antes de eu começar a fazer drag eu não me via como negro e através dessa arte foi que eu comecei a me identificar e reconheci de fato os meus traços, tanto por questões fenotípicas quanto por questões raciais e sociais. Foi por causa da Maju que eu comecei a entender todo o racismo estrutural que a gente vive na sociedade”, revela.

Através da voz de Maju Shanii, ele passou a cantar sobre sua vida, e sobre o que sente. Com um trabalho autoral, deixou de fazer apenas dublagens e performances com músicas de outras cantoras. O single “Salto 15”, primeiro trabalho musical de Shanii, foi lançado no final do ano passado, sendo uma parceria com o DJ Carlos Lins.  A música traz um videoclipe com uma estética urbana e elementos que remetem a cultura africana. Em sua letra, a cantora se empodera como negra e membro da comunidade Lésbica, Gays, Bissexuais e Transsexuais (LGBT).

Comparado aos sucessos nacionais, “Salto 15” não recebeu tanta visibilidade como deveria. O videoclipe de “Disk Me”, música de trabalho do novo álbum de Pabllo Vittar, lançado no início do mês (05/12), já tem mais de 13 milhões de visualizações. Glória Groove, já ultrapassa 1 milhão de reproduções, com “Apaga a Luz”, seu mais recente lançamento. Lia Clark também já recebeu mais de 1 milhão de visualizações com sua nova música “Bumbum no Ar”, parceria com a cantora Wanessa Camargo. “Salto 15”, de Shanii, tem quase 15 mil visualizações após 1 ano de lançamento, mesmo sendo uma produção profissional.

O artista aponta que em Maceió ainda há uma desvalorização muito grande pra categoria. Segundo Hanon, drags de outros lugares recebem uma supervalorização quando passam na cidade, enquanto os locais são sub-valorizadas. “A gente precisa dessa valorização socialmente e financeiramente para que consigamos investir no nosso trabalho,” desaba o artista que chega a investir em média R$ 800 em gastos gerais para suas performances. “O mercado local ainda é muito marginalizado. Tudo isso por causa de uma valorização que a gente sempre grita, sempre implora, mas infelizmente ela não chega,” salienta.

Apesar dessa realidade, Maju Shanii não desce do salto. Ainda esse ano o público irá conhecer seu novo single “TQR – Tem que respeitar”, música que antecipará uma nova era para 2019. Isso porque a cantora está trabalhando na produção do seu primeiro EP, que terá em média 5 músicas inéditas. O novo trabalho, que será totalmente solo, promete trazer uma identidade visual tão forte e bem trabalhada quanto os trabalhos anteriores.

 

TranShow: A arte como auxílio para a profissionalização das Transexuais

Natasha Wonderfull é mulher transexual, negra, militante, técnica de enfermagem e artista. A frente do grupo Transhow e da Assosciação Cultural de Travestis e Transexuais em Alagoas (Acctrans), Wonderfull é conhecida pela luta a favor da visibilidade trans no nosso estado. Como a primeira profissional a utilizar o nome social desde 2017 no estado, ela enxerga o feito como uma conquista, mas entende que é preciso muito mais para avançar.

Segundo dados da Rede Trans, 82% de mulheres e homens transexuais abandonam os estudos entre os 14 e 18 anos. Os motivos vão de bullying na escola à falta de apoio familiar. Por conta da falta de profissionalização, muitas das mulheres transexuais recorrem à prostituição como meio de sobrevivência. Ainda segundo a Rede Trans, 90% delas seguem para esse caminho.

Natasha Wonderfull, explica que além de quebrar tabus e inclui-las na sociedade, a arte tem uma função educacional e terapêutica. O Transhow, grupo artístico composto por mulheres transexuais, além de fazer espetáculos no teatro tem como principal finalidade a entrada delas no mercado de trabalho. Porém, em Maceió, não é conhecido projetos que apoiam a educação e empregabilidade voltada para transexuais.

Cindy Bellucci, uma das fundadoras do Transhow, relata que a partir da popularização do grupo, a população passou a reconhecer o talento das artistas, uma vez marginalizadas. Porém, ela diz também que mesmo com formação, há dificuldade em conseguir emprego em Maceió. “Sou cabeleireira profissional e tenho formação em agente de informações turísticas. Distribuí vários currículos e a sociedade não dá oportunidade de trabalho por eu ser uma mulher trans. Hoje pode ser que eles nos vejam com outros olhos por conhecerem nossa arte,” conta.

Se antes o público dos espetáculos era baixo por conta do preconceito, hoje as artistas recebem um reconhecimento maior e prova o quanto a ação deu certo. “Somos muito conhecidas, quando fala o grupo transhow a população já sabe. Nós já temos um público que nos acompanha. No começo muita gente não queria assistir porque tinha vergonha. Antes umas 15 pessoas iam prestigiar, hoje chega a 200 dependendo do espetáculo”, declara Wonderfull.

Para ela, o mais importante da visibilidade, seria a criação de projetos para tirar as mulheres transexuais da rua. O desejo é englobar elas nas funções que gostam de fazer, independente se preferem ser artistas, universitárias ou autônomas. “Muitas não têm o dom pra arte, cada uma tem um dom diferente. E no momento a gente ainda não teve como tirar elas da rua. É por essa necessidade que nós pensamos em um projeto para que a gente possa encaixar elas para trabalhar e investir na educação. Aqui em Maceió não tem nada a favor de nós travestis, fora o nome civil, não temos projetos”, confessa.

O Estado responsabilizado pela criação de políticas públicas para os transexuais ajudaria na disseminação e apoio a grupos como o Transhow. Segundo Wonderfull, muitas das transexuais que estão na rua, não conhecem ou não confiam no grupo. Por mais que a midiatização da cultura LGBT ajudasse o Transhow a aparecer com mais frequência nos veículos de comunicação, existe um lado que mantém receio.  Há uma parcela que acham que o grupo recebe grande arrecadação financeira, quando na verdade todas as conquistas é fruto de militância.